efêmero eterno

texto publicado na minha coluna do Segundo Caderno do Globo em 22/06/2012

Cedric Price foi arquiteto que construiu quase nada. E mesmo que tivesse construído, teria se alegrado com o desaparecimento de todos seus edifícios, para darem lugar a outras obras. Tentaram tombar o Inter-Action Centre, de Kentish Town, periferia de Londres, um de seus poucos projetos que saíram do papel. CP, como era conhecido, fez campanha contra o tombamento. O Inter-Action Centre, formado por estruturas modulares móveis para se adequar ao uso que a comunidade ia criando para cada um deles (inclusive – pioneiramente – contêineres, hoje onipresentes em projetos pós-pós-modernos), apresentava instruções para sua demolição. Em outras palavras: tinha prazo, também a ser definido por seus usuários, de validade. Seu criador foi o principal proponente de uma quarta dimensão para a arquitetura: além de comprimento, largura, altura, cada edifício deveria ter seu tempo.

CP venceu. Hoje, para ser moderninho, qualquer projeto tem que ter algo pop-up. Todo planejamento urbanístico, para se vender, precisa ser também “não-plano”, título de artigo-manifesto que CP assinou em 1969 junto com o pessoal da New Society, revista britânica. Ninguém quer ser tachado de arquiteto ou urbanista autoritário, como foram nossos ancestrais modernos, que – dizem os críticos – queriam impor o caminho da felicidade para toda humanidade. Claro, na apropriação atual, muitas das ideias de CP perdem grande parte de seu radicalismo. Há até um shopping center pop-up, “o primeiro do mundo”, em Shoreditch, o bairro ex-mais-cool de Londres: é chamado BoxPark e formado – óbvio – por contêineres. O mercado é esperto, tem necessidade do radical para legitimar as vendas em tempos de consumo consciente Rio + 20. No BoxPark, a loja da Calvin Klein convive com a da Anistia, a livraria da Phaidon fica embaixo do Frae Frozen Yogurt. Tudo junto e misturado.

Essa mania pop-up vai ser cada vez mais onipresente. Começou devagarinho, como samba de Martinho da Vila. A Comme des Garçons, grife japonesa, lançou sua primeira “guerrilla store” em Berlim, 2004, longe dos bairros da moda (os guerrilheiros economizavam em aluguel e também arquitetura – o “conceito” exigia um ambiente com aparência “caindo aos pedaços”), aberta apenas por um ano. Dali para frente, o pop-up pipocou por todos os lados. O chique virou temporário: de museus (como o Guggenheim Lab, de Nova York, patrocinado pela BMW) a boates (como o Double Club, que o artista plástico Carsten Holler criou em Londres, patrocinado pela Prada, cuja fundação adora eventos efêmeros, tanto que no início deste ano lançou um museu 24h em Paris, assinado pelo artista plástico Francesco Vezzoli e o pessoal do Rem Koolhaas, por sinal um fã confesso de CP). É muita gente “formadora de opinião” mundial junta.

Talvez o Pritzker não seja o maior prêmio da arquitetura contemporânea. Cada vez mais prestigioso é o convite para projetar um dos pavilhões que a Serpentine Gallery apresenta anualmente, desde 2000, nos Kesington Gardens de Londres. Mais uma vitória indireta de CP: cada pavilhão tem prazo de validade, só dura de junho a outubro. Parece ironia, mas é sinal de tempos dominados pelo pop-up: os arquitetos mais importantes do mundo, de Oscar Niemeyer a Zaha Hadid, acabam competindo entre si para edificar algo que desaparecerá poucos meses depois de inaugurado. Isso é o que torna o pavilhão mais interessante: aprendemos a preferir o flexível ao duro, o inconstante ao permanente, a mudança ao eterno.

O pavilhão de 2012, que acaba de ser inaugurado ao lado da Serpentine Gallery, vai além: é meta-pop-up, preocupado em “resgatar” (a obsessão pelo resgate é o outro lado da moeda do culto do transitório) a memória dos pavilhões anteriores. Sua criação já foi processo que combina bem com o Zeitgeist: aconteceu basicamente via Skype, conectando os arquitetos suiços Herzog & De Meuron (autores da Tate Modern e do Estádio Nacional de Beijing) e o artista plástico chinês Ai Weiwei (que continua com o passaporte confiscado pelo seu governo comunista – ou pós-capitalista?). O texto que explica a obra ao lado do pavilhão (não encontrei cópia na internet) é brilhante: junta arqueologia e fantasmagoria urbanas para nos incentivar a entrar numa “escavação”, situada abaixo de uma plataforma “flutuante” baixinha, coberta por lençol d’água que pretende refletir o céu da cidade.

Quando emburacamos, fica aquela sensação característica que toma conta de nossos neurônios em muitos eventos hypados: mas é só isso? Melhor seria ler o texto e ficar imaginando o lugar, ou criando nossas próprias narrativas a partir das ideias chino-suiças. Ainda bem que é estrutura temporária. Depois que desaparecer, poderemos contar para quem não foi como era incrível.

Desaparecer? Algo dali não vai desaparecer: as paredes, chão, lugares para sentar são todos de cortiça. Prepare-se: cortiça vem com tudo em termos de material arquitetônico. Daqui a pouco haverá uma loja no seu shopping (pop-up ou não) preferido toda de cortiça também. Mas haverá permanência mais concreta: o pavilhão foi patrocinado e comprado pelo casal Usha e Lakshmi N. Mittal (bilionário indiano do aço, mais rico que o Eike Batista) e segundo o site da Serpentine Gallery “entrará para sua coleção particular”. Nunca tinha ouvido falar em coleções particulares de pavilhões pop-up. Não importa minha ignorância: a gente se acostuma com tudo nesta vida, mesmo com o efêmero eterno.

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