texto publicado na minha coluna do Segundo Caderno do Globo em 25/01/2013
A repercussão da morte de Aaron Swartz traz lições importantes sobre as mudanças que a internet provocou em nossas vidas. Quando recebi a notícia, pensei que só um pequeno grupo de pessoas iria ficar abalado. Até titubeei ao escrever sobre o assunto nesta coluna, publicada em caderno cultural. Tenho certeza que a produção de códigos digitais é uma forma de arte, talvez a mais central para o ambiente criativo contemporâneo. Mas essa é opinião mais polêmica do que outras divulgadas por aqui. Aaron foi para mim um grande artista-ativista, mestre da programação de belos códigos radicais, além de pensador original sobre as consequências políticas de suas invenções. Diante da onipresença das manifestações de luto, percebo que muita gente pensa como eu: programadores são novos heróis culturais.
Outra coisa ficou clara: no reino da programação digital, a produção de notícias virou conversa coletiva, na qual os jornais são apenas um dos elementos da investigação descentralizada. Por exemplo: logo após o suicídio, vários blogs revelaram dados inéditos do processo que o governo dos EUA, através da procuradoria de Carmen Ortiz, instalou contra Aaron (desculpa se não uso os termos jurídicos corretos). Ao mesmo tempo, apareceu petição no site da Casa Branca, com 25 mil assinaturas nos primeiros dias, exigindo a demissão dessa procuradora, acusada nas redes sociais de usar o processo visando futura carreira política. Em seguida, no Twitter, um executivo da IBM iniciou campanha em defesa do processo contra Aaron, questionando declarações da família que ainda se preparava para a cerimônia fúnebre.
Tudo isso aconteceu de maneira veloz – fogo em palha, queimando aqui e ali. Logo alguém identificou o executivo da IBM como marido de Carmen Ortiz. Rapidinho ele apagou seu perfil no Twitter. Em outro recanto da rede, no Reddit (site do qual Aaron foi um dos fundadores), a deputada Zoe Lofgren publicou proposta de revisão da lei que define fraudes e abusos cibernéticos nos EUA. Acompanhar todos esses lances em tempo real ficou tão interessante quanto ler resumos e análises no jornal do dia seguinte. Fica a pergunta, parodiando canção de Caetano: quem tem tempo para ler tantos bastidores abertos das notícias?
Na coluna da semana passada, movido pela raiva, cometi uma injustiça: chamei o JSTOR de “companhia” [alterei para “organização na versão desse texto publicada neste blog] que comercializa o acesso a artigos acadêmicos “a peso de ouro”. Detesto esse tipo de simplificação panfletária e faço a correção: JSTOR é uma organização sem fins lucrativos que criou serviço necessário (e talvez necessariamente caro). Antes, todas as bibliotecas tinham que assinar revistas acadêmicas individualmente. Cada uma a custos proibitivos e gerando outros encargos: digitalização e manutenção desses gigantescos arquivos eletrônicos. A JSTOR cuida de tudo isso e cobra por pacotes de serviços. Cada biblioteca faz assinaturas anuais, e a consulta fica aberta para seus usuários (por exemplo: uma biblioteca de universidade abre o acesso para seus estudantes e professores).
Há alternativa sustentável economicamente? Esse serviço deveria ser bancado por dinheiro público, gerando produtos em domínio público (já que estamos falando do avanço da ciência)? Esse é um longo debate, no qual Aaron estava engajado de forma militante. A experiência muito positiva do Scielo, que divulga a produção acadêmica brasileira, latino-americana e caribenha, com acesso livre, aponta caminho que pode ser seguido em outros lugares do mundo.
A JSTOR, em sua homepage, manteve por vários dias a seguinte mensagem: “Estamos profundamente tristes com a notícia sobre Aaron Swartz. […] Ele era uma pessoa verdadeiramente talentosa que fez importantes contribuições para o desenvolvimento da internet e da web, das quais todos nos benefiamos.” É preciso lembrar que a JSTOR não levou adiante o processo contra Aaron (que baixou milhões de artigos acadêmicos para seu laptop). Já o MIT, cuja rede foi usada por Aaron no download massivo, teve posição mais dúbia. Seu presidente, depois do suicídio, veio a público declarar que abrirá inquérito interno para saber se a universidade agiu mal no processo.
Tudo isso é relevante e novo. Como novo também é saber que poderemos continuar interagindo (como numa lifebox de Rudy Rucker) com a quantidade fabulosa de textos, códigos e outros trabalhos que Aaron deixou espalhada pela rede. Batalhemos para que continuem acessíveis numa internet cada vez mais livre.
PS: Leitores me perguntaram o que devem fazer com o Java em seus computadores. Muitos especialistas continuam recomendando a desinstalação. O site do próprio Java contém as instruções se você decidir fazer isso: link