texto publicado na minha coluna do Segundo Caderno do Globo em 21/02/2014
Quando soube da morte de Stuart Hall, considerado por muitos – mesmo sem ele gostar do título – “o pai dos Estudos Culturais” e um dos principais teóricos/militantes do multiculturalismo, fui logo procurar meu velho exemplar de “Resistance through rituais”, coletânea de ensaios que editou, com Tony Jefferson, em 1975/76. É um volume fetiche na minha biblioteca, numa edição neozelandesa com cara de datilografada. Essa publicação pioneira foi incentivo importante para meu estudo sobre o baile funk nos anos 1980. Antes dela, pesquisas sobre subculturas juvenis e música pop eram encaradas com preconceito na academia. A orientação de Stuart Hall, no Centro para Estudos Culturais Contemporâneos da Universidade de Birmingham, foi decisiva para que teses sobre rock ou reggae ganhassem respeitabilidade. Uma geração de antropólogos, sociólogos etc. passou a existir seguindo seu exemplo e derrubando fronteiras entre assuntos “nobres” e “periféricos”.
Devemos então perceber a herança de Stuart Hall não apenas em seus escritos, mas na grande diversidade de trabalhos que influenciou e na marcante redefinição do campo de estudos sobre cultura e sociedade proposta em sua carreira. Ele mesmo declarou – em entrevista para Heloísa Buarque de Hollanda e Liv Sovik – que não era autor de livros, mas de textos de intervenção, que depois eram publicados em coletâneas organizadas por outras pessoas. Em “Resistance through rituals” sua posição estava no polo oposto: a do organizador de reunião de textos alheios. Tudo era parte de um circuito intenso de animação de novas ideias.
Folheando agora “Resistance through rituals” me deparo com turma da pesada de autores. Resolvi que minha homenagem para Stuart Hall não deve ser algo nostálgico, lembrando sua trajetória, mas sim uma busca pela internet para descobrir o que seus discípulos vivos estão aprontando hoje. Escolhi três deles, os que foram cruciais para minha formação (e fora da academia, para muitos críticos de música popular) e com quem perdi contato recentemente: Dick Hebdige, Ian Chambers e Simon Frith.
Em “Resistance through rituals”, Dick Hebdige publicou dois artigos, um sobre mods e outro sobre rastas e rude boys. Já estava preparando seu livro mais conhecido, “Subcultura – o significado do estilo” (publicado em 1979; percebo neste instante: será que nunca teve edição brasileira?), que propôs maneira extremamente original (e hoje quase senso comum) de entender a invenção do punk, como bricolagem terminal/caótica da linha evolutiva de todas as tribos juvenis britânicas anteriores, entre elas a dos mods e a dos rude boys. Hoje, Dick Hebdige é professor de Estudos da Mídia na Universidade da California em Santa Barbara, onde pesquisa a integração de autobiografia, crítica e pedagogia. Recentemente publicou capítulos em livros sobre Takashi Murakami, o artista japonês, e Andi Watson, o mais celebrado iluminador de shows de rock (o livro teve prefácio de Thom Yorke).
Ian Chambers, na coletânea organizada por Stuart Hall, é o autor de “Uma estratégia para viver”, abordando a complexa relação entre adolescentes ingleses brancos e música negra de origem primeiro norte-americana e em seguida jamaicana. Em 1985, lançou “Ritmos urbanos”, uma das melhores histórias da música pop de língua inglesa. Desde o final dos anos 1970 mora em Nápoles, Itália, onde comanda o Centro Studi Postcoloniali da universidade mais conhecida pelo simpático apelido L’Orientale. Sua linha de pesquisa atual, aprofundando seu interesse por fronteiras e migrações, reescreve a história do Mediterrâneo, como uma outra modernidade interrompida.
Simon Frith era o que tinha relação mais informal com o Centro de Estudos Culturais Contemporâneos de Birmingham, mas em “Resistance through rituals”, assinou, junto com Paul Corrigan, o artigo “As políticas da cultura juvenil”. Logo após, em 1978, saiu sua “Sociologia do rock”, hoje em todas as bibliografias básicas do gênero. Seu currículo posterior impressiona: livros sobre a performance musical, sobre a relação entre arte e pop, além de muito mais sobre a política do rock. Também foi colunista de jornais como o Observer e o Village Voice, fundou a revista acadêmica (excelente) Popular Music, e é presidente do júri do Mercury, o mais prestigioso prêmio da indústria fonográfica britânica, desde a sua criação em 1992.
Procurando hoje sobre Simon Frith na internet encontrei o anúncio de uma conferência internacional em sua homenagem a ser realizada em abril na Universidade de Edimburgo, com direito a show radical de Fred Frith, Chris Cutler e Tom Arthurs. Certamente a memória de Stuart Hall também será ali celebrada.