texto publicado na minha coluna do Segundo Caderno do Globo em 30/01/2015
Depois que leu a coluna de sexta-feira passada, o filósofo e grande amigo virtual Paulo Henrique Fernandes Silveira me mandou esta citação de Aristóteles: o estilo contínuo de oratória seria “desagradável, justamente, por não ter fim, pois todos desejam ter à vista o final.” Lembrei Jean Baudrillard entediado com o constante adiamento do final dos tempos, anunciando em 1985 que “o ano 2000 não passará”. Passou. E o fim do mundo continua sendo prometido para breve. Chegará “slow” ou “fast”? Podemos escolher? E a escolha da velocidade aumenta chances de Paraíso?
Hoje vou explorar o caminho “slow”, que a cada dia ganha mais adeptos. Já escrevi por aqui sobre “slow food”, a boa tendência dominante no menu dos novos chefs celebridades da culinária internacional. A filósofa Isabelle Stengers, talvez mais conhecida por ter escrito o livro “A nova aliança” com o prêmio Nobel de química Ilya Prigogine, publicou recentemente um “manifesto pela desaceleração das ciências” chamado “Uma outra ciência é possível!”, assim com exclamação e tudo. Nas páginas internas essa outra possibilidade é denominada, claro, “slow science”, em inglês mesmo (gosto também de outro slogan de ordem: “pela desexcelência das universidades”).
O capítulo “Advocacia de uma ciência ‘slow'” (minhas traduções são todas muito livres…) resume bem o argumento do livro. Descreve a ascensão da ciência rápida, junto com a industrialização do Século XIX. Antes, a formação científica era obra de toda uma vida; depois passa a ser controlada por doutorados de poucos anos, com correria para a publicação nas revistas de prestígio e competição por número de citações em trabalhos de colegas. Além disso, há a transformação das inovações acadêmicas em segredos industriais. Universidades, empresas e governos se juntam e misturam velozmente.
Isabelle Stengers cita o exemplo da pesquisadora Barbara Van Dyck, que em 2011 foi despedida da Universidade de Lovaina depois de apoiar a destruição de parte de uma plantação de batatas transgênicas – experiência desenvolvida pela Universidade de Gante em parceria com a BASF – por militantes ecológicos (que ficaram conhecidos como batatistas). Num primeiro momento, eles foram condenados a meses de prisão por “formação de quadrilha”, mas em dezembro de 2014 essa sentença foi finalmente revogada.
A “slow science” reivindica menos pressa e maior participação popular na tomada de decisões sobre quais experiências científicas devem ser levadas adiante, através de maior conscientização geral sobre riscos e vantagens de cada uma delas. Muitos cientistas reagem apavorados contra as interferências de “leigos” em seus trabalhos, e usam da desculpa de que não têm tempo a perder, que precisam encontrar respostas para problemas urgentes, como a fome anunciada da população mundial. Isabelle Stengers luta pelo reaprendizado de uma “arte da consulta”: “desaprendemos a arte de produzir um acordo sem a arbitragem ou a razão do mais forte ou da maioria.” E não se deixa seduzir por argumentos daqueles que colocam o “progresso” (ou “o imenso desperdício conhecido por desenvolvimento”) à frente de qualquer outra preocupação.
Certamente esse é discurso espantoso para quem julga governos, empresas, universidades e mesmo regimes econômicos pelo “desenvolvimento”, sempre medido por taxas de “crescimento”, como se a riqueza de uma sociedade só pudesse ser avaliada por sua “produção”. Sabemos que o “desenvolvimentismo” não tem vínculos ideológicos definidos, podendo se situar tanto à esquerda quanto à direita. Novidade nesse debate é o aparecimento com crescente força, inclusive no livro “Capitalismo contra o clima” que Naomi Klein acaba de lançar, da bandeira do decrescimento.
Não é também um movimento homogêneo, sem conflitos internos. Há igualmente decrescimento de esquerda e de direita. Para entender a história dessa ideia, recomendo a publicação no Brasil do livrinho “O decrescimento é desejável?”, de Stéphane Lavignotte. (Um autor básico para toda essa turma, o economista Nicholas Georgescu-Roegen, teve seu já clássico “O descrecimento” lançado pela editora do Senac.)
Desde 1972 convivemos com um relatório do MIT/Clube de Roma que previa que os limites do crescimento do planeta seriam atingidos em cem anos. Pensadores franceses foram os que levaram o “abandono do mito do ilimitado” mais a sério. Vincent Cheynet e Paul Ariès fundaram a revista “O decrescimento”. Não se trata de lutar por taxas negativas de crescimento do PIB. Reflexões sofisticadas sugerem decrescimento sem recessão ou desemprego. Viável? Sabemos apenas que não podemos seguir adiante sem levar tudo isso em consideração.
Tags: decrescimento, Isabelle Stengers, Jean Baudrillard, La décroissance est-elle souhaitable?, Paulo Henrique Fernandes Silveira, slow food, slow science, Stéphane Lavignotte, Une autre science est possible!
09/02/2015 às 17:02
[…] Fuente: Hermano Vianna Después que leyó mi columna del viernes pasado, el filósofo y gran amigo virtual Paulo Henrique Fernandes Silveira me mandó esta citación de Aristóteles: el estilo contínuo de oratoria seria “desagradable, justamente, por no tener fin, pués todos desean tener a la vista el final.” Recordé a Jean Baudrillard aburrido con el constante atraso del final de los tiempos, anunciando en 1985 que “del año 2000 no pasará”. Pasó. Y el fin del mundo continúa siendo prometido para dentro de poco. Llegará “slow” o “¿fast”? ¿Podemos elegir? ¿Y la elección de la velocidad aumenta las chances del Paraíso? […]