FabTudo

texto publicado na minha coluna do Segundo Caderno do Globo em 06/03/2015

Neil Gershenfeld faz o futuro. Bem naquele sentido de quem sabe faz a hora, não espera acontecer. Ou acompanhando o movimento maker, que sempre reaparece aqui na coluna. Acompanhando não: Gershenfeld está na vanguarda fazedoura. Pode até ser considerado o pai fundador do atual tsunami faça-você-mesmo, versão século XXI, pós-cibercultura.

Tudo começou na sua sala de aula do MIT, no curso “Como fazer (quase) tudo”. Quando propôs a ementa, Gershenfeld tinha em mente uma turma de poucos nerds. Para sua surpresa, nos anos seguintes, houve superlotação de alunos, com as mais variadas formações: cientistas da computação (como Jason Taylor, que cuida da infraestrutura do Facebook, e Rafi Krikkorian, infraestrutura do Twitter) ao lado de artistas. Por isso seus ensinamentos foram viralizados em vários ambientes, e se transformaram num movimento/atitude/estratégia de vida e produção das coisas necessárias para a vida. Deu na revista “Make” e nas feiras Maker, que são cada vez maiores, e mais influentes. Tanto que no ano passado uma delas foi realizada, com Gershenfeld na organização, nos jardins da Casa Branca, Obama presente e entusiasta.

A metodologia e as máquinas fazedoras utilizadas no curso “Como fazer (quase) tudo” formaram a base para a criação, também por Gershenfeld e o pessoal do seu departamento do MIT (chamado Centro para Bits e Átomos, justamente por trabalhar na convergência dos territórios “digital” e “real”), dos Fab Lab, que são pequenos laboratórios/fábricas públicos capazes de produzir quase tudo (equipamentos comuns: cortadoras a laser; cortadoras de vinil; prensadoras; impressoras 3D). O primeiro Fab Lab foi aberto em 2001. Rapidamente uma rede fazedora se espalhou pelo mundo, de Jalalabad ao Rio de Janeiro, passando por áreas rurais africanas.

Em palestra recente publicada no site “edge.org”, Gershenfeld explica o caminho do Fab Lab para a Fab Academy, utilizando a rede de labs e aulas online para formar novos fazedores, capazes de criar até máquinas que criem máquinas e assim por diante. É uma nova proposta pedagógica: as universidade tradicionais, como o MIT, seriam como um computador mainframe, pesado, e a Fab Academy funcionaria como a internet, conectando milhares de pequenos computadores. O futuro nos transportaria para uma organização de saberes pré-Renascença, época na qual – Gershenfeld acredita – houve a ruptura perniciosa entre artesãos – fazedores, os que colocam a mão na massa – e cientistas – pensadores, que criam conceitos abstratos. Hoje, e cada vez mais no futuro, pensar e fazer devem ser atividades simultâneas, misturadas. Mais interessante ainda: a Fab Academy concede diplomas que estão em vias de serem reconhecidos por ministérios da educação de todo mundo. As matrículas para os vários cursos de 2015 ainda estão abertas. Bom aproveitar.

No Rio de Janeiro, o “Olabi”, em Botafogo, e o SENAI FabLab, em Benfica, são nossas portas de entrada para esse admirável mundo novo da manufatura digital e personalizada, que é muitas vezes descrito já como a mais recente etapa da revolução industrial. Os computadores pessoais e a internet descentralizaram a produção de bits, agora chegou a hora de fazer a mesma coisa com os átomos dos objetos físicos, incluindo máquinas e seres vivos. A cidade que parece estar na dianteira neste processo tecnocultural é Barcelona, que planeja ter fablabs em cada um de seus bairros e trabalha com meta bem ousada: produzir (quase) tudo que consome dentro do seu perímetro urbano.

O “Olabi” realizou na semana passada seu primeiro evento de biohack. Essa é uma tendência também global. O próprio Neil Gershenfeld tem trabalhado com George Church – geneticista, engenheiro molecular – na elaboração de novo curso, que promete ser também popular: agora o objetivo é “Como cultivar (quase) tudo”. O “tudo” inclui novos organismos biológicos, dos mais simples aos mais complexos. Claro que as questões éticas levantadas pela proliferação de laboratórios públicos capazes até de modificar DNA devem ser tratadas com enorme cuidado, pois evidentemente os perigos são enormes. Mas não há caminho de volta: os conhecimentos científicos de ponta, e os aparelhos para produção desses conhecimentos, são cada vez mais acessíveis para toda a população. Ninguém mais conseguirá escondê-los em tubos de ensaio de grandes universidades ou grandes empresas. Assim como para as indústrias culturais (fonográfica, cinematográfica etc.) nada será como antes desde a popularização da internet, agora todas as outras indústrias (farmacêutica, automotiva, construção etc.) vão ter que se reinventar se quiserem continuar relevantes no nosso fab-futuro-aqui-agora.

 

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