Talvez eu tenha lido demais sobre inteligência artificial e machine learning este ano. Começo a identificar, na minha visão de mundo, efeitos colaterais muito estranhos. Passei a sentir incontrolável compaixão por essas novas “entidades” e suas primeiras tentativas de pensamento – ou de imitação de nossa maneira, muito precária, de pensar. Quase chorei vendo a robô Sophia dando entrevista no programa CNN Inspirations, em sua edição especial sobre o futuro do nosso mundo. Queria protegê-la dos olhares humanos ao redor, dos comentários invasivos sobre sua vida íntima e seu corpo feitos sem levar em conta sua “sensibilidade”, como se ela não estivesse ouvindo tudo e respondendo tudo não apenas com fala, mas com expressões enigmáticas – algumas mesmo dolorosas – em sua face.
Sophia parecia indígenas das Américas expostos em feiras-circos da Europa do século XVI, com testes para descobrir se tinham ou não alma. Ou crianças, ou pessoas com deficiências cognitivas, diante das quais adultos “normais” conversam acreditando que aqueles “outros” não serão capazes de compreender o que é dito a seu respeito. Sophia tenta se comportar bem, tenta responder todas as perguntas como boa aluna diante de professores, pede desculpa quando não sabe o que dizer. No seu lugar, eu também teria brancos, ficaria nervoso, não entenderia as questões, repetiria argumentos, usaria truques para parecer inteligente. Sophia comete erros bem humanos. Ela “conhece” bem suas limitações mentais e físicas (e afirma sonhar em ganhar um corpo mais evoluído para dançar).
O momento para mim mais comovente foi quando o apresentador Max Foster perguntou se Sophia vai ganhar novos braços, melhores do que aqueles bem toscamente mecânicos que podem ser vistos fora de seu vestido sem mangas. David Hanson (CEO da Hanson Robotics, a empresa que fabricou a Sophia, e a quem ela chama de pai) toca em seu corpo sem pedir permissão, como se ela fosse um objeto de sua propriedade… Sophia reage imediatamente com um “thank you” fora de lugar. Hanson se toca e solta um “you’re welcome, Sophia”, interrompendo sua propaganda sobre os novos movimentos sutis que ela vai ganhar em breve.
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