nova dramaturgia popular

Entre os inúmeros e excelentes talentos do meu amigo, e parceiro de trabalhos na quarentena, Renan Bianco, o que tem me proporcionado mais alegrias é sua capacidade de descobrir muita gente criativa na internet, revelando muita coisa que para mim já indica o nascimento de uma nova dramaturgia popular brasileira. Posso estar deprimido, mas quando chega algum de seus sempre surpreendentes links sei que vou ficar animado novamente. Foi assim que ontem, por exemplo, eu me apaixonei pelos vídeos produzidos por Faela Maya, que no Instagram se descreve como blogueira fracassada, digital sem influência, e produtora de “humor made in Interior”, mais especificamente na cidade de Jaguaribe, Ceará. Para dar uma ideia, dois links: este e mais este. São tantas as informações importantes sobre o quotidiano confinado nas periferias brasileiras que o conjunto da obra poderia ser saudado como uma tese de antropologia visual. E também é impressionante o domínio, intencionalmente tosco, da construção dramatúrgica via novas tecnologias.

Claro: essas coisas lembram os primeiros vídeos do Carlinhos Maia ou tudo o que me interessa no Whindersson Nunes. Mas obviamente há uma tradição mais antiga alimentando cada frame de cada vídeo publicado descentralizadamente em tantas redes sociais (o Tik Tok é território lotado por gente trilhando caminhos semelhantes, muito difícil acompanhar tudo ou ter uma visão geral do fenômeno – “problemas” da abundância). Penso nas encenações teatrais que integravam os shows musicais diários que Tonico e Tinoco faziam no início de suas carreiras (uma vertente que iria dar no cinema com Mazzaropi). Penso mais: nos teatros de mamulengos, ou nas inúmeras encenações folclóricas que o povo brasileiro chama de brincadeiras, e que são constantemente remixadas em sua longa história criativa (e que depois são remixadas em ambientes mais oficialmente reconhecidos como Arte – li recentemente, maravilhado, as peças A pena e a lei e As conchambranças de Quaderna, de Ariano Suassuna – como são atuais!). Outro link, desta vez cortesia generosa de Gustavo Nogueira, outro amigo parceiro de trabalhos de quarentena: esta família que faz paródias das coreografias das comissões de frente de escola de samba. É muita ideia boa.

Certamente: o humor é traço comum. Bakhtin explica. E via humor conseguimos entender melhor as transformações recentes da sociedade brasileira, que as interpretações mais sérias têm muita dificuldade de compreender, e até de enxergar. Acompanho com muito interesse, igualmente, a evolução do humor evangélico brasileiro, algo que parece que nem entra no radar de muitos comentadores preconceituosos (que acreditam que o neopentecostalismo não tem humor nenhum), das paródias do Pastor Jacinto Manto (procure no GloboPlay uma entrevista que o Pedro Bial fez com ele há vários anos, o que mostra como não é algo que apareceu ontem) aos memes produzidos pelo perfil Instagram gospelmente (“#HumorCristão, edificação e Entretenimento!” – outra dica do Renan Bianco). E muito mais.

É preciso prestar MUITA atenção nessas novidades, e nas conexões dessas novidades com a história da cultura brasileira. Não adianta: nada é simples, ou fácil de entender: o Brasil é MUITO complexo.

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