wuwei

Impressionante como Gilberto Gil faz coisas. Muitas coisas. Mesmo na precaríssima situação atual, lá está ele fazendo coisas sem parar, inventando normalidades possíveis onde não existe mais normal. Claro, toma todos os cuidados. Mas sabe: esta é a vida que temos que encarar, é preciso não parar de fazer coisas.

Curioso: há quase exatos 23 anos lançou Quanta, disco que contém Pop wu wei, um dos meus sambas preferidos. É o que declara: “eu faço tudo para não fazer nada”. E termina rezando: “Se Deus achar que eu mereço viver sem fazer nada / Que eu faça por merecer”. Talvez Gil tenha alcançado essa graça, e fazer tanta coisa seja sua maneira peculiar de não fazer nada.

Lições do taoismo: wuwei pode ser traduzido como inação. É o contrário de ação: coisa planejada, com objetivo preestabelecido, que exige enorme esforço para virar realidade. Por sorte, estive perto de Gil em muitos momentos importantes. Aprendi: ele não age assim. Seu estilo é diferente: vai surfando nos acontecimentos, seguindo ventos, correntes e marés, procurando fortalecer o lado bom daquilo que acontece, seja perda ou ganho. É coisa obviamente difícil, extremamente difícil. Como comenta Giorgio Sinedino em sua preciosa tradução do Dao De Jing (que dei para Gil quando ele estava bem doente): a inação não é “simples far niente“, mas “‘seguir o curso das coisas’ – adaptar-se às novas situações e dar-se por satifeito com o que se recebe (ou perde).” Não deve ser percebida como conformismo, tem sua dimensão política: é também “método de governo”. Que não deve ser confundido com liberalismo vulgar: a alegoria do arco de Laozi recomenda: “Faz descer o que está ao alto, eleva o que está embaixo; tira do que tem em excesso, acrescenta ao que não tem o bastante.” Caminho para moderação, tranquilidade e harmonia. Que inclui combate contra a desigualdade.

A pandemia nos ensinou: todos os planos rígidos foram interrompidos. Todo mundo foi forçado a se adaṕtar a uma situação totalmente inesperada e inescapável. Ler Laozi, e escutar/observar Gil, é ajuda vigorosa: não desanimar, aprender a fazer coisas melhores.

(Assim, com Gil, termino de recomendar os 3 livros que estavam na minha cabeceira antes da pandemia e continuam a me animar agora: Goethe, Sêneca, Laozi. Que trio. Claro que suas palavras vão reaparecer muito por aqui. E nas outras coisas que farei.)

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