Archive for the ‘cinema’ Category

Der leone have sept cabeças

18/07/2020

Antes da pandemia, quando eu podia andar distraído pela cidade admirando o sol batendo nas bancas de revista, houve um momento em que pensei estar tendo alucinação grave. Descobri uma pilha de DVDs com o filme O leão de sete cabeças de Glauber Rocha entre jornais, cigarros avulsos e garrafas de coca-cola. Como assim? Era bem o contrário do “é tudo verdade”, deveria ser fake news, prank de hackers russos, produto de alguma teoria da conspiração tricontinental. Poderia ser só a capa, e conteúdo terrorista no disco, com vírus explode-home-theater. Mas descobri que era produto legítimo de uma coleção de grandes diretores de cinema lançada pela Folha de S. Paulo.

Nunca tinha tido a oportunidade de ver este filme. Não tenho certeza se foi lançado no Brasil antes. Cabeças cortadas eu vi no cinema. Cinema de rua, não cinemateca ou festival. O mundo já foi estranho assim. Mas Der leone have sept cabeças – o título “original” continha essas palavras em várias línguas – era uma lacuna na minha cultura cinematográfica e glauberiana. Não é mais: e como foi interessante ver essa obra agora, depois de tantos anos de estudos pós-coloniais, depois de ter visitado a África várias vezes, inclusive de ter conhecido a Kinshasa do Zaire de Mobuto Sese Seko, na margem oposta do rio Congo filmado por Glauber Rocha. Como tudo aquilo já era de certa forma afrofuturista.

Recentemente andei estudando o uso da música no cinema de Glauber Rocha: Villa-Lobos, Marlos Nobre, Naná Vasconcelos em A idade da terra. Candomblé. Sérgio Ricardo. Em O leão de sete cabeças há apropriações radicais de sons de várias procedências. Surpreso, numa cena ouvi a voz de Clementina de Jesus cantando A marselhesa em português. Outra alucinação? O Google me ajudou a entender o que era aquilo: a viagem de Clementina de Jesus para o festival de artes negras organizado por Léopold Senghor no Senegal, com esticada no festival de Cannes, onde cantou sua versão do hino francês.

Mas escrevo este post para recomendar especialmente uma cena, entre as mais impressionantes já filmadas em toda a história do cinema: muitos africanos trepados numa frondosa árvore, batucando em seus próprios corpos, bem Barbatuques. Todo mundo é obrigado a descer. Fila. Execução por tiros. Todo mundo morre. Sem explicações ou consequências. Fiquei louco com essa cena, e com o resto todo do filme. Como continua atualíssimo no seu gritante e original anticolonialismo.

Pensei em Dziga Vertov. Em Três canções para Lenin. Pode existir filme mais colonialista? E evolucionista. Imperdoável seu tratamento do islamismo. E aquela certeza revolucionária. Vertov estava na ordem do dia quando Glauber filmava na África. O Groupe Dziga Vertov, que tinha a participação do Godard. Etc. Tenho que investigar para saber como tudo isso se relacionava.

Antes disso, trecho de carta de Glauber Rocha, escrita em Roma durante a montagem de O leão de sete cabeças: para Alfredo Guevara: “não se esqueça de mostrar Antônio a Fidel: mas acho que ele gostará mesmo é do filme da África – o mais forte politicamente de todos”.

amigos mostram trabalhos

16/06/2020

Muitos amigos trabalhando, ou inventando novas maneiras de mostrar seus trabalhos para o mundo pós-pandemia. Não dá para ficar parado. Quatro exemplos animadores:

Affonso Uchoa: seu filme Sete Anos em Maio está sendo exibido online via Embaúba Filmes (vale a pena conhecer os outros títulos que estão disponíveis no site dessa valente distribuidora mineira). Forma e conteúdo impressionantes. Obra necessária para quem quiser entender como o crack se tornou parte íntima da tragédia urbana brasileira. Obra necessária para quem quiser pensar o melhor do cinema brasileiro hoje e amanhã.

Josh Krigg (ver também meu comentário sobre Bull Dancing aqui): depois do Lado 2 Stereo, do Skate Aranha, do Zula System etc., Josh se aventura solo (mas tendo como parceiro Andy Newmark, simplesmente o baterista do Sly & the Family Stone em Fresh – segundo Brian Eno o disco pioneiro em colocar a bateria no lugar certo da mixagem – e de muita coisa de John & Yoko). Na música publicada agora na quarentena ele aconselha: Calm down, my brother! A exclamação no título é apropriada, Josh sabe bem do que está falando/cantando: ele também produz calma, no corpo, sendo mestre, via Zoom, de “meditação física”, uma prática que inventou em algum lugar entre Teresina e Amsterdam, entre o Método Feldenkrais e a Psicomagia.

Beto Villares: lançou seu segundo disco, Aqui Deus Andou, no início de março, pouco antes do confinamento. Pena, não deu nem para anunciar direito a boa notícia. O som é ótimo para “desatar o nó”, para não afundar, para não empacar em nossas casas hoje fechadas (“já que o mundo já não é o mesmo”): “sonha com sonhos mais altos”. Com direito a duas faixas instrumentais, Festa Baile e Ôôô (viva Teixeira de Manaus!), além do solo em Minha Lua, que provam que Beto é mestre em guitarradas variadas, um dos grandes guitarristas do Brasil.

Leandro Lehart: seu disco Sincretismo, lançado no meio de abril em pleno confinamento, abre com Sorriso aberto, a solução para a depressão compartilhada por Jovelina Pérola Negra. E segue com seleção magnífica de sambas, quase todos recentes, mas com arranjos percussivos de batuques afrobrasileiros de várias procedências temporais. É a história do samba em deliciosa confusão (urbana, suburbana e rural como queria Paulo Moura, em disco também com capa de Elifas Andreato), de um jeito que só Leandro Lehart é capaz de (re)inventar. Tudo nivelado um alto astral.

Nos tempos de agora, tudo isso é milagre.

Sergei Paradjanov

04/04/2015

texto publicado na minha coluna do Segundo Caderno do Globo em 03/04/2015

Sergei Paradjanov era considerado pessoa muito perigosa pelas autoridades soviéticas. Se vivesse na Rússia de hoje, provavelmente seria tratado da mesma maneira. Os regimes mudam, mas questões de fundo – como o nacionalismo dos povos que um dia formaram a URSS – permanecem sem solução. Há 50 anos, a première em Kiev de um de seus filmes, “As sombra dos antepassados esquecidos”, virou ocasião de protesto dissidente contra as prisões que as autoridades de Moscou decretavam contra intelectuais e artistas ucranianos. O lançamento quase não aconteceu porque seu diretor não aceitava a obrigação de ter que dublar seus diálogos em russo. Não preciso lembrar que antigos conflitos entre russos e ucranianos ganham hoje aterrorizante atualidade, reencenando uma Guerra Fria para muito além do antagonismo entre capitalistas e comunistas.

O protesto de 1965 foi protagonizado por Ivan Dziuba, autor de ensaio que denunciava o internacionalismo comunista oficial como máscara para a “russificação” de todos os povos da URSS, destruindo sua diversidade cultural. Paradjanov se tornou um nacionalista ucraniano honorário, mesmo sem ter nacionalidade ou antepassados ucranianos. Sua origem familiar era armênia, mas de armênios que viviam na Geórgia. Talvez seja mais acurado defini-lo como “transcaucasiano”, com referências estéticas e filosóficas produzidas naquela fascinante região do planeta (onde hoje fica a Geórgia, a Armênia e o Azerbaidjão), situada sempre “entre” – entre os impérios persa, turco e russo; entre o cristianismo e o islamismo; entre a Europa e a Ásia etc. – e formando identidades peculiares a partir de todas essas influências. A cadeia montanhosa da Cáucaso marca sua paisagem e cria visão de longo alcance. Paradjanov nunca foi artista de mundo pequeno. Sua primeira obra de sucesso foi justamente a que serviu de mote para o protesto nacionalista “alheio”, filmado em território da “tribo” Hutsul, tida como a essência da cultura da Ucrânia. Talvez só quem viva “entre” possa entender o que é estar plenamente “dentro”, sem ficar prisioneiro de nada. (Paradjanov ficou realmente encarcerado vários anos, a partir de acusações vagas, incluindo homossexualismo que era crime na URSS, o que o levou a dar a seguinte resposta quando Tarkovski lhe perguntou o que deveria fazer para ser melhor cineasta: passar uma temporada numa cadeia soviética de segurança máxima.)

Só depois de ir para “fora”, para o coração da Ucrânia, é que Paradjanov parece ter conseguido forças para mergulhar de volta em ambiente transcaucasiano. “A cor da romã” é seu filme armênio; “A lenda da fortaleza Surami”, georgiano; “Ashib-Kerib”, azeri (a nacionalidade do Azerbaidjão). Acho que o único lançado em DVD no Brasil é “A cor da romã” (coleção Lume Clássicos). Não tenho dúvida de que é uma das criações mais deslumbrantes/ousadas da história do cinema, e que ganha ainda mais densidade em 2015, cem anos depois do início do genocídio armênio.

“A cor da romã” foi produzido para revelar as fontes que nutriram a poesia de Sayat-Nova, trovador medieval armênio, mas que, como bom transcaucasiano (ou mesmo inventor de algo que poderia ser chamado de “transcaucasianidade”) sempre circulou bem igualmente entre tradições azeris e georgianas (e ao que tudo indica morreu em Tbilisi, durante ataque de tropas persas). Não é nem de longe uma biografia linear. E também, mesmo contendo tanto “folclore”, não é nada tradicionalista. Eu diria que não pode haver filme mais modernista, no sentido mais vanguarda contido na “orientação” moderna. A tradição – e o mais belo da arte popular armênia, com objetos autênticos – é plataforma para invenção de um presente “futurível”, com técnicas de edição desorientadoras, com cortes realmente radicais, fazendo a ponte entre Meliès e o videoclipe que ninguém ainda tinha visto. Poderia ser descrito como a antropofagia transcaucasiana do rigor do mais importante cinema russo.

Elemento fundamental em “A cor da romã” é a música. Quase não há fala: cada imagem é acompanhada por sons de instrumentos tradicionais como o “duduk” (viva Djivan Gasparian!), cantos religiosos, composições do próprio Satya-Nova e “field recordings” de várias procedências. O mais inovador é a maneira como isso tudo é editado, bem “cut-and-paste”. O compositor Tigran Mansurian reconhece sua dívida com, ao mesmo tempo, músicos concretos como Pierre Henry e a etnomusicologia pioneira de Komitas, realizador das “missões folclóricas” no Cáucaso e que acabou sua vida como vítima trágica do genocídio armênio. “A cor da romã”, como objeto de arte, aponta o caminho para o combate contra a intolerância, em nome da beleza e da liberdade.

 

Chile

04/10/2014

Texto publicado na minha coluna do Segundo Caderno do Globo em 03/10/2014

 

Ana Tijoux vai se apresentar no Rio na próxima semana. Terça-feira faz show na Miranda. No dia seguinte fala no TED. Bom momento para conhecer de perto seu rap/canto/fala/militância/pensamento. Boa oportunidade para ensaiar aproximação com a melhor produção cultural contemporânea do Chile, cada vez mais influente mundo afora. Não se engane: à sombra do Aconcágua não há apenas estações de esqui de celebridades da “Caras” ou o sucesso póstumo de Bolaño. Ali, muita gente viva, com ideias novas, está criando uma das cenas artísticas mais vigorosas do planeta.

A música de Ana Tijoux é útil porta de entrada para essa cena. Até porque sempre envolve colaboração com vários outros artistas locais e de outros países, mostrando como suas criações são obras de uma turma que redefine o que é ser nacional nos dias de hoje. Não por acaso sua gravadora nos EUA chama-se Nacional Records (que mereceria ser tema de uma coluna inteira, tal sua importância para a globalização de sonoridades contemporâneas latino-americanas). E sua biografia envolve deslocamentos através de fronteiras: nasceu na França, de pais chilenos exilados, e só pôde voltar para o Chile já adolescente, em tempo para acompanhar a conturbada redemocratização do país, que tem misturado micromilagres econômicos com tensões sociais constantes.

Já citei rap de Ana Tijoux – “Somos todos erroristas”, parte de “Vengo”, seu quarto disco, de 2014 – por aqui, em texto sobre o erro segundo Albert O. Hirschman. Um trecho: “busco o erro como uma forma de resposta, um colapso seguro que pertube minha cabeça”. Filosofia beneficamente contraditória: é errando, é pertubando, é confundido identidades que a gente acerta. Na complexidade do mundo atual, a soma dos erros – e não das certezas imutáveis – torna possível a surpresa dos grandes acertos, da fuga para frente, driblando problemas aparentemente insolúveis. Os discos de Ana Tijoux são provas das vantagens desse método: cada vez estão mais perfeitos. “Vengo”, por exemplo, corre todos os riscos de terminar redondamente errado, muitas vezes tentando mixar folclore andino com hip hop. Mas o resultado é um triunfo para o rap do “sul do mundo”, como demonstra “Somos sur”, faixa que conta com a participação da palestina Shadia Mansour.

Outros chilenos são aplicados aprendizes de alquimistas dessa transformação de erros em boa música (g)local. Apenas alguns exemplos: o pop de Alex Anwandter ou de Gepe (gosto especialmente de seu sucesso “En la naturaleza”, com rap de Pedropiedra, propondo para “pessoas desta parte do mundo” uma “nova conquista experimental”) – os dois juntos gravam como a dupla Alex & Daniel. Isso para não falar de Los Tres, uma das maiores bandas de rock do subcontinente, ou de qualquer continente.

A experimentação musical tem paralelos em atividades de outras artes. No início deste ano uma mostra de novo cinema chileno realizada no Rio já exibiu obras de cineastas como Sebastian Lello, Dominga Sotomayor, Marialy Rivas e Pablo Larrain. Na literatura temos as provocações anti-realismo-mágico anunciadas, talvez pela primeira vez de forma erroristicamente organizada, pelo lançamento, em 1996, de McOndo (para quem não percebeu: título brincante que mistura “Cem anos de solidão” com Steve Jobs), coletânea de contos editada por dois chilenos, Alberto Fuguet e Sergio Gómez, contando com a participação de latino-americanos (e espanhóis) de procedências diferentes, como o argentino Rodrigo Fresán e o peruano Jaime Bayly.

E claro que a animação artística espelha inquietação que também acontece nas ruas. Um dos vídeos mais famosos de Ana Tijoux é o de “Shock”, composto por muitos retratos de estudantes-manifestantes que quase pararam o Chile durante sete meses, e mais de 100 “mobilizações”, de 2011. Havia foco bem definido, apesar da descentralização organizacional, com milhares de entidades estudantis, secundaristas e universitárias, diferentes. As palavras de ordem que davam unidade para tudo eram “reforma educacional” para “desmercantilizar” o ensino, lutando pela “gratuidade do conhecimento”.

Valeria fazer esforço para comparar o que aconteceu no Chile com as “jornadas de junho” do Brasil. Além da troca de ministro da educação, uma diferença mais a longo prazo imediatamente se destaca: alguns líderes das movimentações de rua – como Camila Vallejo e Giorgio Jackson – viraram parlamentares nas eleições seguintes. Há também formação de iniciativas como o “Compromisso por uma nova educação”, para elaboração de propostas práticas de reforma escolar no país.

Estreitar laços com o Chile, vizinho mesmo sem fronteira, é atalho para aprender com erros e acertos de novos artistas/políticos experimentais.

Duras: d’Alessio

23/08/2014

texto publicado na minha coluna do Segundo Caderno do Globo em 22/08/2014

1914. Talvez, para compensar os efeitos terríveis da guerra, o mundo tenha nos presenteado com grupo de pessoas muito especiais. Na semana passada, celebrei por aqui o centenário de Lina Bo Bardi. Pouco antes, o de Dorival Caymmi. Poderia talvez passar todas as colunas restantes do ano com homenagens a gente que teria a mesma idade. Octavio Paz. William Burroughs. Sun Ra. Adolfo Bioy Casares. Abdias do Nascimento. Nicanor Parra. Dylan Thomas. Martin Gardner. Julio Cortázar. Vou começar com Marguerite Duras.

2014. A revista “Cahiers du cinéma” completou 700 edições. No número comemorativo 140 pessoas – de David Cronenberg a Slavoj Zizek, passando por Kleber Mendonça Filho – escolhem momento de intensa emoção em suas relações com filmes. Se eu tivesse que responder à enquete, não teria dúvida: elegeria os instantes em que a canção título toca pela primeira vez em “India song”, uma das obras primas de Duras. Sentado na Cinemateca do MAM, eu podia sentir a brisa do movimento arrastado do ventilador de teto da sala da embaixada francesa tentando sem convicção combater o calor opressivo de Calcutá (“que calor impossível, terrível, mortal”). A música – uma das mais belas já compostas para um filme – também aparece e desaparece, em movimento circular. Desde sua primeira audição fiquei rezando para que voltasse logo.

A música parece maior que o filme. Intencionalmente. Em texto de apresentação do disco com a trilha sonora (publicado também na coletânea “Outside”, que reúne seus artigos para jornais), Duras é clara: “eu construí as imagens e as palavras em função do espaço em branco que deixara para a música”. O encontro com Carlos d’Alessio, que depois se tornaria compositor da música de – se não me engano – todos de seus filmes, foi também uma emoção arrebatadora, digna de personagem de “A doença da morte” (seu livro mais imortal?): “Para falar a verdade, não sei muito bem de onde vem Carlos d’Alessio. Dizem que é argentino, mas quando ouvi a sua música pela primeira vez, percebi que vinha de todo o mundo, vi fronteiras derrubadas, muralhas destruídas, os rios, a música, o desejo circulando livremente, e percebi que também eu era dessa nação argentina, tal como ele, Carlos d’Alessio, desse Vietnam do Sul do Pacífico; que alegria, fiquei tão feliz, pedi que compusesse a música para um de meus filmes, ele disse que sim”.

“India song”. Revi o filme várias vezes. Só encontrei a canção em disco anos depois. Era um vinil de Kip Hanrahan, que sempre atuou com diretor de cinema em seus álbuns, reunindo músicos de origens dispares para viver uma emoção única. Sua gravação de “India song” é digna do filme. Piano de Carla Bley, que também canta – divina e roucamente – em francês. Naquela época informação era bem escasso. Eu não tinha ideia de onde vinha aquela letra. Só agora, pensando em escrever esta coluna, usei o Google para saber mais. Que maravilha a instantaneidade da internet, minha alegria, minha nação-argentina-Vietnam-do-Sul-do-Pacífico. No YouTube, descobri logo a versão de Jeanne Moreau, também lindamente rouca, para essa música. Como brinde, a transcrição da letra: quem canta interroga a própria canção, que ao mesmo tempo “não significa nada” e “diz tudo”.

Seguindo o “veja também” do YouTube, fui surpreendido por gravação de “Rumba das ilhas”, outra pérola de Carlos d’Aléssio, com as vozes de Moreau e Duras repetindo diálogos das narradoras do filme “India song”. “Que ruído é esse?” “O Ganges”. Um vídeo leva ao outro. Assim encontro entrevistas que Duras deu – um cigarro atrás do outro – para divulgar o lançamento de “India song”. Aprendo que nada foi filmado na Índia, mas sim em castelo francês meio abandonado. Como a música, as imagens também são “do mundo todo”, um mundo inventado, no qual passamos a viver sempre que entramos em contato com Duras e seus “amantes”. Como Carlos d’Alessio: “deixando-nos aqui, fazendo outras músicas, outros filmes, outras canções e sempre nos amando tão fortemente, a tal ponto, que vocês nem podem imaginar.”

Não precisamos nem imaginar. Temos “India song” para ver/ouvir. Em suas várias versões (há outras) disponíveis na rede. Algo que desemboca nesta minha estranha homenagem, em torno de uma só canção. Ou em torno da música, não da palavra ou da imagem. Penso então no disco “Duras: Duchamp”, de John Zorn. Os três “livros” e o “epílogo” de “Duras” formam talvez a mais bela composição de Zorn. No encarte, os parágrafos finais de “A doença da morte”: “Um dia ela não está mais ali.” Gosto das recomendações que Duras deixou para a encenação teatral desse livro: “Que os lençois sejam já uma imagem do mar. Isso a título de indicação geral.”


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