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Shigeru Miyamoto

10/01/2011

texto publicado na minha coluna do Segundo Caderno do Globo em 12/11/2010

Na semana passada, a Microsoft lançou o Kinect para Xbox 360. Foi o terceiro console a seguir a tendência, iniciada pelo Wii da Nintendo, e depois pelo recente Playstation Move da Sony, de tirar os games da tela e misturá-los com o mundo. O Kinect tem câmera, microfone e sensores 3D que captam movimentos e falas. Assim o jogador não precisa mais de controle para interagir com os games: ele está dentro do jogo. A empresa de Bill Gates diz que vai vender 5 milhões de kinects em 2010. A Sony diz que já vendeu 2,5 milhões de moves só nos EUA e Europa. Números impressionantes. Mas ainda merreca se comparados com o 1 bilhão de dólares que a Nintendo arrecadou só com o WiiFit, aquela “balança” de malhação do Wii. Shigeru Miyamoto, o gênio por trás de tudo que a Nintendo lançou nestes últimos 25 anos, continua em outro “level”, muitos pontos à frente nesse jogo feroz que vai determinar o futuro do entretenimento.

25 anos é a idade de Mario, aquele simpático encanador bigodudo que hoje tem imagem tão reconhecivelmente pop quanto Mickey Mouse. Mario foi criação de Miyamoto, primeiro participando do triângulo amoroso de “Donkey Kong”, que é considerado decisivo na história dos games não apenas por ter lançado personagens que hoje são celebridades, mas por sua concepção engenhosa de plataformas e obstáculos, que depois se tornaram elementos triviais em muitos outros jogos.

Além de Mario, Miyamoto é também pai das oníricas personagens da série Zelda, que inclui alguns campeões de lista de melhores games de todos os tempos, influenciando o imaginário de várias gerações de adolescentes. Todas as suas séries reunidas (Mario, Zelda e vários games, entre eles aqueles estrelados pelos fofíssimos nintendogs) venderam mais de 350 milhões de exemplares. Não contente com esse sucesso na criação de jogos, Miyamoto passou também a ser inventor de equipamentos que expandiram em muito a “jogabilidade” de seus universos ficcionais paralelos, lançando novas maneiras de brincar com a informação eletrônica, reinventando a indústria da qual faz parte. Quando eu vi pela primeira vez alguém usando o controle do Wii como se fosse uma raquete de tênis, batendo na bola que era “arremessada” da tela da TV, eu pensei: “Será que tenho mesmo que encarar isso com naturalidade?” Nunca tinha presenciado algo tão parecido com ficção científica maluca. Hoje aquilo é totalmente natural.

Miyamoto é nosso melhor professor para a vida nessa nova natureza, desenvolvida em sua mente e seus laboratórios. Mas quem é esse cara que tem tanto controle sobre nossas vidas? Pouca coisa é realmente interessante na vida dele. Não é como Will Wright, outro gênio dos games, que tem atuação midiática mais “condizente” com artistas de sua estatura. Miyamoto parece trabalhador comum da indústria japonesa, nem considera o que faz uma arte, não dá entrevistas citando filósofos e cientistas, é figura tímida e quase apagada. Até hoje, quando tem 58 anos, fica religiosamente na Nintendo de 9 às 22/24 horas, tendo mesmo se casado com outra funcionária da empresa. Algumas de suas declarações famosas soam simplórias, jogando contra suas invenções, ou contra seu papel nessas invenções. Nos autógrafos para fãs crianças, ele escreve: “em dias de sol, brinque ao ar livre”. Sobre o que busca em novos profissionais: “quando alguém se destaca demais na fase de seleção, geralmente acabamos descobrindo que ele é do tipo que trabalha melhor sozinho e, atualmente, para atuar na criação de jogos, é vital saber trabalhar em equipe.” Tudo bem japonês.

Na realidade, como diz Jesse Schell, “a maioria dos mundos transmídia de sucesso estão enraizados na imaginação e no estilo estético de um único indivíduo. Gente como Walt Disney, Shigeru Miyamoto, L. Frank BaumTajiri Satoshi e George Lucas”. Schell é o pensador “da hora” quando o assunto é game. Foi catapultado para o mundo dos gurus há pouco tempo, através do vídeo de sua conferência na D.I.C.E (Design Innovate Communicate Entertain), encontro fundamental para a indústria dos jogos eletrônicos (em 2011 terá sua décima edição), que acabou tendo mais de um milhão de views nos YouTubes da vida. Uma palestra mais recente, proferida na Long Now Foundation, é uma maratona de boas idéias, um mapa essencial para nos guiar no mundo pós-Miyamoto, pós-Wii. Vale a pena ser assistida na íntegra, apesar de suas duas horas de duração (e uma alma generosa poderia colocar legendas em português no vídeo).

Schell é profeta do “game-apocalípse”, o momento em que estaremos envolvidos em jogos a cada segundo de nossas vidas. Por exemplo: você acorda e vai escovar os dentes, a escova tem sensores conectados via wi-fi à internet, a cada escovada você ganha pontos que poderão significar descontos na próxima ida ao dentista. Ou então: na caixa do sucrilho do café da manhã haverá uma tela através da qual você poderá se comunicar com seus amigos do Orkut que gostam daquela marca de cereais. E assim por diante. Schell diz que os games ainda estão no estágio cinema mudo. Todo mundo achava engraçadinho, mas ninguém levava os filmes muito a sério. Até que surgiu o cinema falado. O que vai ser a “fala” no mundo dos games? Esperemos as próximas invenções de Miyamoto. Quietinho lá em Quioto, ele ainda vai nos surpreender muito, e mudar nossas vidas várias vezes.

Will Wright

05/11/2008

publicado na minha coluna do Segundo Caderno do Globo em 14/05/2010

Will Wright poderia dispensar apresentações. Mas fui procurar, em cadernos culturais de jornais brasileiros, algum artigo sobre sua obra e só encontrei superficialidades. Então, correndo risco do óbvio: Wright é um dos mais importantes, criativos e influentes artistas da virada do século XX para o XXI. Mesmo quem nunca ouviu seu nome deve ter tido contato com seus trabalhos como o The Sims, a série de jogos de mais sucesso, com mais de 100 milhões de exemplares vendidos. Ele já foi chamado de Spielberg dos games, mas não seria inapropriado apelidá-lo também de Godard, pois suas criações revolucionaram várias vezes seu campo artístico.

Um dos programas de maior audiência da rede norte-americana NPR (National Public Radio) é o Morning Edition, que apresenta o quadro Open Mic, onde um convidado especial escolhe outro que deseja entrevistar. No ano passado, Wright entrevistou o biólogo E. 0. Wilson, professor emérito de Harvard, prêmio Pulitzer, por sua vez um dos mais influentes cientistas norte-americanos. Era um encontro de pesos pesados de dois mundos que não costumam ter conversas públicas.

No início da entrevista, Wright estava tímido. Afinal, sua origem – na indústria dos games – é muitas vezes considerada espúria, a ralé comercial do entretenimento vulgar, capaz de transformar jovens indefesos em serial killers, tudo por um punhado de dólares. Por causa desse preconceito, a idéia de Wright era ser humilde e reverente, fazendo perguntas de discípulo sobre evolução biológica, conceito central para seu game mais recente, o Spore.

Porém, Wilson virou o jogo, logo demonstrando que seu interesse era falar sobre games. Meio espantado, transformado de admirador em mestre, Wright pergunta se o grande professor vê algum papel para os games na educação. A resposta de Wilson foi fulminante: “Vou ter uma posição ainda mais radical. Eu penso que os games são o futuro da educação.”

São palavras que deveriam ser lidas com atenção por pedagogos, pais, adolescentes, jornalistas, políticos – até para serem contestadas sem o simplista ataque anti-games dominante. Vivemos um tempo em que deputados ou juízes, com base num achismo barato, produzem leis e jurisprudências que adorariam nos impor um mundo sem jogos eletrônicos.

Além disso, a maioria dos jornais praticamente ignora a centralidade evidente dos games em nossa vida cultural. Um festival de cinema – mesmo decadente – recebe páginas e páginas de cobertura, mas eventos de games como o E3 ficam isolados no caderno de informática, como se fossem de interesse especializado, tecnologia sem arte. Um lançamento de game também nunca merece a mesma atenção que o de um disco, filme ou livro. E seus criadores são invisíveis ao lado de escritores, atores, artistas plásticos, mesmo quando suas criações são muito mais bem-sucedidas tanto comercial quanto artisticamente.

Há sinais que essa situação começa a mudar. A lista 2009 das 100 pessoas mais influentes do mundo segundo a revista Time (a mesma que este ano elegeu o presidente Lula) incluiu os irmãos Sam e Dan Houser, autores de Grand Theft Auto. O feito merece ser citado pois GTA é a série de games mais polêmica, geradora de pânicos morais que se repetem a cada lançamento. São aqueles jogos nos quais as crianças adoram atropelar velhinhas que passam pelas calçadas enquanto andam irresponsavelmente a toda velocidade pelas ruas de Los Angeles ouvindo gangsta rap. Obra de arte?

Matt Selman, roteirista e também produtor-executivo do The Simpsons, justificou a escolha com a seguinte declaração: “Foi um filme ou livro ou disco proeminente que definiu como nós olhamos para a Los Angeles da era das gangues? Não, foi um videogame que usa filmes, música e escrita com grande efeito. […] Os Housers estão fazendo o trabalho de Tom Wolfe, criando tapeçarias dos tempos modernos tão detalhadas quanto aquelas de Balzac e Dickens. Pelo menos eu penso que isso é verdade. Em vez de ler esses caras estou em Liberty City [um dos games da série GTA] roubando tanques.” Engraçadinho? A graça aqui é apenas recurso para a comparação entre Sam e Dan Houser com Balzac e Dickens ser mais palatável para leitores conservadores, crentes que um livro clássico vai ser sempre superior a um game.

Deixando o humor de lado, de uma coisa eu tenho certeza: chegou a hora de levar os jogos eletrônicos a sério. Alguns criadores de games não são só grandes artistas, mas também grandes pensadores, que têm acesso privilegiado à complexa sensibilidade contemporânea, como pouca gente tem. Quem duvida pode ouvir a conversa de Will Wright com Brian Eno (autor da música de Spore, entre outras atividades que também o qualificam como um dos principais pensadores da atualidade), em encontro promovido pela The Long Now Foundation em 2006, na Califórnia. Wright conduz uma aula magna sobre compressão de dados, Richard Dawkins, geometria fractal, automatas celulares, o jogo go, tudo com exemplos divertidos. Recentemente, ele montou sua própria empresa, a Stupid Fun Club, com o objetivo de criar não apenas games, mas sim ser um “estúdio de desenvolvimento de entretenimento”. Só quem for realmente estúpido, e não se importar nada com o futuro do entretenimento e também da educação, não vai ficar de olho em tudo que dali vai surgir.


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