Yona Friedman

texto publicado na minha coluna do Segundo Caderno do Globo em 29/08/2014

Na semana que vem esta coluna entra de férias. Como tenho vários outros trabalhos que não serão interrompidos em setembro, isso não significará isolamento em praia ou mato. Mas sempre é tempinho que sobra para estabelecer algum contato imediato com o mundo aí de fora. Inútil fazer planos (por razões ideológicas que ficarão talvez claras a seguir), mas pelo menos vou deixar aqui expressos poucos desejos que serão realizados se houver folga.

Quero ver a exposição do arquiteto Yona Friedman, que fica em cartaz até dia 21 de setembro na Casa do Povo, situada no Bom Retiro, bairro paulistano. Confesso: não conheço ainda este centro cultural de 61 anos, que passa por fase de revigoramento desde 2012. Tenho ido muito pouco a São Paulo recentemente, e fico triste com a distância. Yona Friedman, que tem 91 anos, é impulso suficiente para reparar essa falta: sempre me alegro ao descobrir mesmo suas ideias mais antigas, plenas de ensinamentos para nosso futuro.

Por exemplo: em 1958, ele lançou o manifesto “Arquitetura móvel”. Hoje falamos muito em mobilidade urbana, geralmente pensando em trajetos entre pontos ou bairros fixos no mapa da cidade. A proposta de Friedman ia muito além: os próprios endereços e edifícios deveriam mudar de lugar com facilidade. São suas palavras: “Ao contrário do planejamento urbano clássico, onde o espaço urbano está restrito ao vazio entre edifícios, o planejamento urbano móvel não é reduzido somente ao espaço de tráfego.”

No resto de sua carreira, Friedman foi desenvolvendo ferramentas para tornar essas utopias facilmente realizáveis, sempre em direção ao “faça você mesmo” (daí sua sintonia com o movimento “maker” ou “fazedor”, que tem cada vez mais importância) e às “formas irregulares” e “construções flexíveis”. Tanto que nos anos 1980, vivendo grande parte do seu tempo em Chennai (antiga Madras), Índia, ele desenvolveu o projeto do Museu da Tecnologia Simples (deveria haver um museu/laboratório como esse em todas as cidades do planeta), divulgando uso de recursos arquitetônicos acessíveis como o bambu.

Essas provocações sensatas encontraram eco no trabalho/pensamento de outros arquitetos/urbanistas que apesar dos muitos anos de atividade só agora têm o reconhecimento merecido. Além de Friedman, Cedric Price, Buckminster Fuller, o coletivo Archigram ou o metabolismo japonês foram questionando as bases do planejamento urbano que tentava, de cima para baixo, impor a “melhor forma de vida” para os habitantes de uma cidade. No livro “Non-plan”, editado por Jonathan Hughes e Simon Saddler (e que deveria ser leitura mais que obrigatória para todo novo arquiteto), podemos ler o texto (com seus desenhos “infantis” característicos) “A função segue a forma”, onde Friedman sugere, com muita gentileza: “As cidades não seguem planos, menos ainda que os edifícios. As pessoas os reorganizam diariamente com seus comportamentos. A paisagem urbana e o comportamento se adaptam mutuamente.”

“Non-plan” foi título de artigo de capa publicado em 1969 na revista inglesa “New society”. Um dos seus autores era Cedric Price, que anos antes havia lançado na mesma revista sua proposta de um “parlamento pop-up” (portanto meio século adiantado à modinha pop-up atual- ele também utilizou contêineres antecpando sua onipresença moderninha de nossos dias), que poderia tornar a vida mais democrática, sem rigor formal do edifício do Big Ben. Diante da constatação de que os melhores resultados de planejamentos anteriores muitas vezes aconteceram à revelia das intenções dos planejadores, os autores de “Non-plan” faziam pergunta extremamente séria (mas que foi descartada como brincadeira irresponsável por críticos tanto à esquerda quanto à direita): quem pode afirmar com certeza que nenhum planejamento não produziria resultados ainda melhores para a vida comunitária? A proposta seria criar espaços livres de planos diretores, para observar com atenção o que aconteceria. Claro que essa experiência nunca foi devidamente levada adiante. O poder público não pode viver sem planejar, fingindo o tempo todo que controla a realidade?

No momento em que o Rio passa por tantas transformações urbanas, é bom ter a oportunidade de ouvir Friedman novamente: “ao contrário de edifícios, que têm ‘forma’, as cidades são amorfas”; “as cidades não têm função precisa: elas são ‘multifuncionais'”. Não adianta tentar simplificar o complexo: isso nunca vai funcionar.

Como não funcionou meu plano para este texto, que seria uma lista variada de dicas para as férias da coluna. Deu tempo só para a exposição da Casa do Povo. Começo a escrever e nunca sei como, quando e onde vou parar. Por isso gosto de cidades.

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Uma resposta to “Yona Friedman”

  1. Frederico Costa Says:

    Caro Hermano. É com grande satisfação que soubemos do seu interesse em conhecer a Casa do Povo e a exposição que estamos realizando sobre a obra de Yona Friedman. Na realidade, a exposição ‘YONA FRIEDMAN: Dicionário’, acontece principalmente na Oficina Cultural Oswald de Andrade, uma grande parceira nesta e em outra realizações. Uma das consequências da exposição foi a proliferação de oficinas que geraram Modelos e Maquetes em escala 1:1 a partir do conceito de ‘estruturas irregulares’ que o arquiteto desenvolveu. Elas estão espalhadas na Oficina Cultural e nos espaços generosos da Casa do Povo.
    Acreditamos que as lições do arquiteto estão muito relacionadas com a forma como pretendemos utilizar o espaço aqui na Casa do Povo, como um dispositivo para a liberdade, de ação e criação no espaço.
    Concretizo aqui o convite para vir nos visitar. Boas Férias.

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