Mustafa é o cara?

Continuo explorando o arquivo do podcast Talking Politics. Ali descobri também o Nine Dots Prize, vencido este ano por James Williams. Cada candidato concorria com um ensaio-resposta para a pergunta “Are digital technologies making politics impossible?” James Williams ganhou escrevendo sobre sua especialidade, a economia da atenção, elemento agora extremamente valioso num mundo que passou a ter informação em mega-abundância. Procurando mais informação (…), fui ver o vídeo de sua palestra publicada no abundante (e maravilhoso) canal de YouTube da RSA. Acabei clicando no link para outros vídeos e minha atenção foi capturada pela President’s Lecture pronunciada agora em novembro.

Tudo absolutamente fascinante, com pompa e circunstância reais. Literalmente: o palestrante é apresentado pela Princesa Real. Quando vai para o púlpito – em território que já recebeu Charles Dickens, Adam Smith, Benjamin Franklin, entre outros de igual peso pesado -, descobrimos que não usa gravata, sua aparência é pós-punk. Filho de um taxista imigrante vindo da Síria, seu nome é Mustafa Suleyman. Seu discurso é radical. Na sessão de perguntas e respostas, alguém da platéia resume tudo como anti-capitalismo. E Matthew Taylor, chief executive da RSA, faz desabafo que poderia ser entendido assim: “esse é o tipo de palestra-chutando-o-pau-da-barraca que alguém faz quando está se aposentando, quando não tem mais o que perder, e pode fazer autocrítica feroz”. O problema é que Mustafa está, podemos dizer, no início de sua carreira, ou melhor – depois de uma ascensão fulminante (hoje é capitalista talvez já bilionário) -, ocupa o centro do poder no mundo da inteligência artificial (relembrando: Putin disse que quem se tornar líder na área de inteligência artificial, dominará o mundo… Hoje ninguém está mais próximo de liderar o desenvolvimento da inteligência artificial do que Mustafa e seus amigos).

Aprendi agora (nunca tinha ouvido falar de Mustafa, conhecia apenas o poder da sua empresa): ele é um dos três fundadores da DeepMind, a empresa britânica de inteligência artificial e machine learning comprada pelo Google em 2014 por 400 milhões de libras (e que já mostrou excelente serviço vencendo o campeão mundial de Go com o AlphaGo).  Os outros dois: Demis Hassabis, amigo da infância londrina de Mustafa e filho também de imigrantes (grego cipriota e cingapuriana de etnia chinesa), e Shane Legg, nascido em Rotorua, no norte da Ilha do Norte da Nova Zelândia. Seu encontro é típico (sei que estou exagerando) da cultura cosmopolita londrina atual, que lucra com a circulação de pessoas e ideias de origens bem diferentes.

Mustafa abandonou o curso de filosofia e teologia em Oxford para criar a Muslim Youth Helpline. Depois fez muita coisa, inclusive se tornando um dos principais incentivadores da criação da Partnership on Artificial Intelligence to Benefit People and Society, organização que reúne as principais corporações de inteligência artificial do mundo.

Interessante, muito interessante mesmo, ver uma pessoa como Mustafa, com as ideias e a biografia de Mustafa, ocupando todos esses lugares de enorme poder, capaz de fazer (se isso é possível) crítica contundente do poder enquanto o exerce, defendendo propostas que enfrentam abertamente a maré conservadora que parece dominante. O que nos leva a questionar essa aparência de dominância: se Mustafa faz a President’s Lecture da RSA, com aprovação real em tempos de Brexit, o jogo político contemporâneo é bem mais complexo do que aquele que as redes sociais (cada vez mais controladas pelas inteligências artificiais das corporações membras da Patternship…) nos deixam perceber.

 

2 Respostas to “Mustafa é o cara?”

  1. Radio Garden e outros jardins | Hermano Vianna Says:

    […] de ser paraibano quando assisti à aula-conversa com Marianne Linhares, jovem engenheira da Deep Mind em Londres. Que trajetória impressionante e inspiradora, que simpatia e inteligência. Exemplo das […]

  2. complementos Ilustríssima 12 | Hermano Vianna Says:

    […] Mustafa Suleyman […]

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