The Meters

Como passei tanto tempo da minha vida sem ouvir The Meters todos os dias? É vitamina pura. Estava planejando escrever sobre essa banda desde que soube da morte de Art Neville, seu tecladista, há quase um ano. Mas só agora consegui escutar todos os oito discos. Não com a atenção planejada. Sempre como trilha sonora para outras atividades pesadas-confinadas. Mas tudo fica leve e livre com essa música vigorosa e alegre (mesmo com tantas evidentes conexões com o blues do Delta do Mississipi). Então deu vontade de recomendar esse remédio, que pode ser útil para muita gente, artigo de primeira necessidade, atividade essencial.

Os dois primeiros discos, lançados em 1969, são instrumentais. Não pode haver banda – de guitarra, baixo, bateria e órgão – melhor. A mais perfeita lição do básico (incluindo toda a sofisticação) do funk, comparável aos mais celebrados momentos dos J.B.’s ou da Africa 70 (que eram quase big bands se comparadas ao minimalismo Meters). Tudo com produção de Allen Toussaint (preciso escrever também um post sobre sua obra aqui, agradecendo todo o bem que ele já me fez), som claríssimo e poderoso, poderia ser gravação de hoje (muita gente, em atitude vintage, tenta copiar aqueles sons de teclado). E como sempre digo: é música para se acabar de dançar sim, mas simultaneamente incentivando o processamento cerebral dos mais complexos conceitos estéticos.

Depois aparecem algumas faixas cantadas no disco Struttin’. A primeira é uma versão soul muito sutil de Wichita Lineman, uma das canções mais bonitas de todos os tempos, com aquela letra aparentemente surreal, mas muito concreta, de trabalhadores trepados em postes consertando cabos de linha telefônica, sozinhos no descampado no meio do nada dos EUA. O que era aéreo na voz de Glen Campbell se reconecta com a Terra sob o tratamento matemático dos Meters. A bateria de Zigaboo Modeliste (que nome incrível, que baterista divino) comenta tudo de forma inesperada.

O quarto álbum, Cabbage Alley, tem início heavy, com riffs que poderiam ser de Jimmy Page. A banda agora também tem percussionistas não oficiais. Há uma faixa chamada Gettin’ Funkier All the Time. Como se fosse possível. E é. Todos os detalhes merecem atenção, como o break de guitarra Shaft, ou os segundos iniciais que soam como ritmo de trás para frente. Depois vem Rejuvenation, disco de Hey Pocky A-Way (onde New Orleans fica totalmente evidente) ou Africa (que para meus ouvidos anuncia a Nação Zumbi). Sua capa sempre torna mais chique qualquer lista responsável de melhores discos da História.

Neste momento, The Meters fica chique mesmo. É a banda que toca na festa de lançamento de Venus and Mars, no transatlântico Queen Mary (época de pico na indústria fonográfica, Paul McCartney podia queimar dinheiro da gravadora). Mick Jagger estava na plateia. Resultado: convidou a turma de Art Neville para abrir as turnês de 1975 e 1976 dos Rolling Stones, não por acaso a época em que o disco Black and Blue estava em acabamento. Mesmo com essa exposição, e lançando o arrasta-pé (tem até um Mardi Gras Mambo, escancaradamente carnavalesco) que é Fire on the Bayou, os Meters não decolam comercialmente ou em popularidade, tanto que até hoje não são conhecidos por multidões. Bem que tentaram, o disco seguinte tinha um popozão na capa e uma primeira faixa que declarava já no título Disco is the Thing Today. Gosto de quem segue moda assim sem vergonha. E anuncia outras modas, como gravando Stop that Train, de Peter Tosh – lançada pelos Wailers (mais uma prova da ponte New Orleans/Jamaica, elemento fundamental para a invenção do reggae), no último album dos Meters. Um disco, com os metais do Tower of Power, chamado New Directions.

Depois tem muita coisa nova. Incluindo a maravilha Neville Brothers.

Mas todo dia é dia para (re)descobrir The Meters. Como se fosse o primeiro dia do mundo.

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