girafas, Buster Keaton e cia.

Indicação para quem tem algum tempo em tempos de pandemia (e para quem entende inglês): ouvir as 509 aulas de filosofia, cada uma com cerca de 20 minutos de duração, disponíveis no site historyofphilosophy.net. É uma grandiosa obra em progresso realizada por Peter Adamson desde 2010. Para mim representa o melhor do espírito dos pioneiros da internet, antes da maluquice das redes sociais: o conhecimento tem que ser livre e ser facilmente compartilhado/compartilhável de preferência de graça. A aula mais recente – escrevo no dia 26 de abril de 2020 – foi publicada sete dias atrás. Peter Adamson não tem pressa: está ainda na Renascença. Mas já passou por 62 aulas sobre a história da filosofia indiana, outras 65 sobre filosofia islâmica, e desenvolve uma série em paralelo chamada Africana, sobre filosofia produzida no continente africano e na diáspora africana. É uma pretensão saudavelmente enciclopédica, que respeita a diversidade e a complexidade do pensamento humano. Por isso o subtítulo da empreitada é “sem nenhum gap”.

Muitas das aulas foram publicadas em livro, pela Oxford University Press. Mas gosto da experiência de poder ouvir cada uma delas nas situações mais improváveis. Já corri muito ouvindo a reflexões sobre o Bem em Plotino. Hoje de manhã estava varrendo a casa aprendendo sobre mente e memória, e a Trindade, em Santo Agostinho.

Alguma alma caridosa poderia traduzir essas aulas para português. Mas pensando bem: seria melhor imaginar um outro curso como esse em português. Pois Peter Adamson tem um estilo não exatamente intraduzível mas muito peculiar de ensinar. Faz sempre o mesmo tipo de piadas, que são charmosas por não terem graça nenhuma. Certamente ficariam sem sentido na boca de outras pessoas. Imagino que tudo seja escrito antes e lido (mas há também entrevistas com outros filósofos, algumas das maiores autoridades em vários temas): entre um “thus” e um “futhermore” lá vem um exemplo que envolve algo sobre girafas e Buster Keaton, ou o bordão “eu sei o que você está pensando” destinado diretamente para o aluno/ouvinte (nunca é o que eu estava realmente pensando). O que no início me irritava agora, muitas aulas depois, virou uma zona de conforto. E Peter Adamson passou a ter uma das vozes que me são mais familiares. Sou só agradecimento pelo tesouro que ele coloca a nosso dispor.

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