espaço público

texto publicado na minha coluna do Segundo Caderno do Globo em 02/01/2015

Ano novinho. Dia 2 apenas. Para recomeçar a coluna com o pé direito, uma boa notícia do fim de 2014: o financiamento coletivo da “Piseagrama” – revista que se apresenta adequadamente como “espaço público periódico” – foi um sucesso. Agora podemos ter certeza que nos próximos meses teremos novos números dessa publicação que deveria ser conhecida por muito mais pessoas além das 998 que deram seu apoio via “Catarse”. Confesso que só descobri a “Piseagrama” recentemente, ao receber pacote com as seis edições já lançadas, além de três livros criados pelo mesmo coletivo baseado em Minas Gerais. Estou ainda vivendo sob o impacto do concentrado de boas ideias. Enquanto espero a “Piseagrama” 7, farei aqui lista de assuntos sugeridos em suas páginas anteriores (elas podem ser acessadas na internet, todas com licença Creative Commons autorizando de antemão usos não comerciais) formando um guia de ações para inspirar geral em 2015.

Vale antes citar como os próprios editores da revista definem seu campo de reflexão/militância: “PISEAGRAMA é uma revista sobre espaços públicos: existentes, urgentes e imaginários. A revista articula e promove relações entre as artes, a política e a vida cotidiana […] sempre com foco na noção de público. Além da publicação, PISEAGRAMA realiza e promove uma série de ações em torno de questões de interesse público como debates, microexperimentos urbanísticos, oficinas, campanha com propostas para as cidades, loja itinerante e publicação de livros.” O que mais gosto (eu que admiro fazedores): quase todas as ideias podem ser colocadas em prática imediatamente, se houver “vontade política” para tal.

Exemplos: o número de estreia de “Piseagrama” tinha como tema geral o “Acesso”. Um artigo de Kevin Kelly, ídolo desta coluna, explica o óbvio: acessar – para indivíduos, para sociedades, para economias etc. – é “melhor que possuir”. Outro artigo revela como um trio de prefeitos de Bogotá – Antanas Mockus, Enrique Peñalosa e Luis Eduardo Garzón – conseguiu transformar a vida de sua cidade com ações simples e corajosas, que podem ser copiadas (sem vergonha, o que é bom deve ser copiado) em nossos municípios. Outra característica deliciosa da revista é a combinação de fotos e textos curtos na capa/contracapa. Nessa edição vemos um hidroavião pousado com barquinho trazendo passageiros para terra firme. A pergunta que nunca deveria calar: por que trocamos o líquido por dispendiosas pistas de concreto?

Número 2: tema “Progresso”. Ou qual o verdadeiro significado de progresso. Meus destaques: os belos mapas desenhados pelo povo indígena tikmu’un; o estádio provisório (todo ano é montado e desmontado pela população local) La Petatera de Colima; as vantagens de “não fazer nada”; a “post-it city” de Martí Peran. Por que valorizamos o permanente e caro?

Número 3: “Recreio”. Dez maneiras incríveis de perder tempo. Arte do alemão Joachim Schmid com fotografias de campos brasileiros de futebol de várzea capturadas do Google Earth. A ocupação pública de terrenos baldios em Sevilha. E a capa lembra o estonteante trampolim da praia de Icaraí, Niterói.

Número 4: “Vizinhança”. Texto de Vilém Flusser sobre exílio e criatividade. Capa com foto de Haruo Ohara com pista para longa e pouco conhecida história: o loteamento das terras da companhia inglesa Parana Plantations e saga dos migrantes no interior paranaense.

Número 5: “Descarte”. Tradução de panfleto de 1932 inventando a “obsolescência programada”, estratégia vendida como salvação da economia (alguém pensou em iPhone 6?). Novas maneiras de usar/pensar o lixo. Novas maneiras de usar os (e cuidar dos) rios. O que fazer com carros abandonados. A genial moeda Euroafrican do senegalês Samba Mballo. Lançamento de camisetas e bolsas com hashtags sensatas: “#uma praça por bairro”; “#pescar e navegar no Tietê” (gosto também da linha infantil: “#um balanço por árvore” etc.).

Número 6: “Cultivo”. Proposta novamente bem prática/sensata: trocar gramados (caros de manter, sugadores de água preciosa, nos quais somos proibidos de pisar) por “jardins comestíveis” ou “jardins produtivos”. Quem pode ser contra?

Os três livros editados pelo pessoal da “Piseagrama” também deveriam ser copiados em todas as cidades. “Domesticidades” é um guia de bolso que se apropria de fotos publicadas na internet por corretores imobiliários. O “Guia Morador” traz dicas de bicas, hortas, pássaros e até fantasmas de Belo Horizonte. O “Atlas Ambulante” detalha itinerários, ferramentas e até partituras de vendedores que circulam diariamente pela capital mineira.

Eu disse: muita ideia-vitamina para quem não quer ficar parado em 2015. Comece logo a pisar a grama.

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