texto publicado na minha coluna do Segundo Caderno do Globo em 05/08/2011
Muita gente me escreveu para elogiar a coluna da semana passada. Aqui do meu ladinho, da minha sonífera ilha particular, fiquei insatisfeito. Diante do texto publicado, achei o tom muito reclamão. Fiquei destemperado, talvez despeitado, tomado por uma antipatia pré-histórica pelo Facebook, sobretudo pela maneira como virou moda no Brasil, resultado de atitude preconceituosa contra a favelização do Orkut, fenômeno que ficou mais conhecido como “orkutização”. Quando vi os “favelados” no Orkut, pensei: agora é que isso aqui vai ficar bom, cada vez mais perto do amálgama de Jorge Mautner. Que nada: os ricos debandaram. É o que está acontecendo com o BarraShopping, já perceberam? A “favela” invadiu mesmo o puxadinho New York City Center, com sua laje UCI. Gostei: poderia ficar com o perfume 40 graus do Rio fausto-fawcettiano, muito além do melhor que a tal ascensão da Classe C já nos proporcionou. Novamente que nada: a garotada rica migrou para o Rio Design Barra, cujo cinema tem até estranha sala VIP 40 reais, “exclusiva” como o Facebook de tempos atrás.
Porém, todo mundo já percebeu: o Facebook orkutizou. Agora posso me sentir bem por lá (os ricos vão ter que se esconder em algum submundo criptografado do Anonymous?) Mesmo assim continuo implicando: o Facebook (700 milhões de cadastrados!) parece ter projeto para colonizar a internet, até que não reste mais nada além de sua rede social, até que vire o cibermundo todo e ninguém possa mais escapar de seus muros, pois não existiria nada do ladinho de fora. Então preciso lembrar, para não ficar só na reclamação, que ainda há muita vida além do jardim, que deve ser preservada para garantir a biotecnodiversidade da rede, fonte – a única sustentável – de sua riqueza.
Talvez seja por aí mesmo o caminho da resistência, radicalizando essa analogia com a militância ecológica (tão útil quanto aquela outra analogia, urbanística, comparando a internet livre com as ruas “tradicionais” de uma cidade, não cercadas – cujo comércio corre perigo diante do sucesso murado dos shoppings). Precisamos de produções e consumos conscientes também em nossa vida digital. Dá mais trabalho levar a sacola para o supermercado ou investigar a autenticidade do certificado que nos diz que aquele produto não contribui para a degradação ambiental/social? Claro que dá. Mas não adianta: as coisas boas da vida dão trabalho mesmo, e nessas coisas está incluída a transformação do mundo em lugar menos chato.
Na hora de consumir, algumas ponderações alegres são necessárias. Começarei citando exemplos banais. Já que na coluna passada falei dos browsers: gosto mais do Chrome. Porém, não suporto a ideia de uma internet controlada pela empresa Google. Então, uso a nova versão do Firefox (mesmo que seja mais pesada para meu computador), parte do trabalho da Fundação Mozilla, tudo desenvolvido na melhor tradição do software livre. Na hora de lançar o blog, por que usar os serviços comerciais de um Blogger, por que não usar os softwares também livres do WordPress? Não por ser uma escolha politicamente correta, mas por ser um serviço melhor mesmo, muito mais “customizável”, onde os controles ficam em nossas mãos. Isso exige um pouco mais de dedicação para aprender como tudo funciona? Não vou enganar ninguém: a resposta é sim – porém, as vantagens depois do aprendizado são imensas, até como exercício aeróbicos para nossos neurônios subutilizados.
Há tarefas necessárias que dão mais trabalho. Por exemplo: ler Termos de Uso e Políticas de Privacidade de todos os serviços que usamos na rede. Há muitos absurdos nas entrelinhas. Ou explícitos nos parágrafos de maior destaque. Por exemplo: ao concordar com os termos de serviço do Farmville, aquele joguinho inocente, o usuário dá para a empresa Zynga a licença “perpétua” de usar qualquer de seus conteúdos para comercializar, reformatar ou mesmo sublicenciar, abrindo mão, “sempre que as leis aplicáveis permitirem”, inclusive de direitos morais. Bobagem? É só um passatempo de crianças? Veremos… Claro, não podemos contratar advogados a cada vez que utilizarmos um novo serviço. Mas assim estamos em desvantagem, pois as empresas têm sempre advogados poderosos escrevendo esses contratos. Precisamos nos unir em organizações de defesa do ciberconsumidor (que quase sempre é também um ciberprodutor) para fazer valer outros direitos.
Precisamos também – isso é inevitável – dedicar algum tempo para aprender não apenas o juridiquês, mas as questões que estão por trás de seus termos esotéricos ou de propostas de mudança de leis. Não dá para continuarmos fingindo que projetos como o Marco Civil da Internet, que esteve em consulta pública por tanto tempo e agora enfrenta labirintos legislativos, é coisa de especialista. Ali está sendo decidida parte essencial de nossas vidas futuras, atualizando garantias de nossas liberdades. Outros temas são bem mais cabeludos, e nem por isso os “leigos” devem deixar de formar opiniões sobre eles. Como o debate sobre a “neutralidade da rede”, que envolve pesados interesses de telefônicas que gostariam de selecionar, com preços e velocidades diferentes, os dados que chegam até nós pelos seus cabos. Ou pelo ar. E aí chegamos à questão essencial da democratização da utilização do espectro eletromagnético, onde circulam nossos dados. Mas isso é assunto de sobra para divertidas próximas colunas.