texto publicado na minha coluna do Segundo Caderno do Globo em 14/06/2013
Francesco “Phra” Barbaglia, mais conhecido como Crookers (se não me engano no início era uma dupla e depois virou nome artístico de um homem só), é um dos principais produtores/DJs de música animada para as pistas de dança contemporâneas. Conheci seu trabalho em 2007 quando participou da série de discos “Funk Mundial”, arquitetada pelo teutolusotropicalista Daniel Haaksman. Sua “Soca Ali Baba” era a mistura perfeita do tamborzão com a house mais tribal, tudo embalado pela alta energia comercial da disco music italiana. De lá pra cá, sua fama só cresceu, tanto que é procurado por músicos iniciantes do mundo inteiro para dar opinião sobre seus trabalhos. Crookers resolveu criar a Ciao Records para lançar seleção do material que recebe por email.
Na entrevista para o site MTV Iggy que anunciava os primeiros lançamentos dessa gravadora, não consegui descobrir qual é seu modelo de negócios. Muitas respostas pareciam mesmo colocar em cheque a necessidade de uma indústria fonográfica: “os artistas na verdade ganham dinheiro com apresentações ao vivo. Essa é minha percepção, talvez eu esteja errado, mas você não ganha dinheiro com um disco – faz o disco para ir para a estrada e tocar seu disco.” Se é assim, talvez a Ciao Records funcione mais como agência para novos artistas, participando da receita dos shows. Não sei. Crookers pode também não saber: está fazendo uma experiência, como muitos outros de seus colegas.
Uma resposta parece ser a consequência lógica mais interessante desse ambiente experimental: “Quanto mais pessoas conhecem a música de um artista, melhor para ele. Se sua música atinge um grande público por causa do YouTube, é bom para você, porque agora pode sair com esse disco em excursão. A liberdade para publicar na rede tudo que quer é metade boa, metade ruim. Quando você ficou trabalhando por um ano, e tem uma estratégia de marketing para o lançamento, e então alguém vaza seu álbum, isso realmente lhe deixa furioso. Mas fora isso, sites como o YouTube são ótimos para descobrir música. Eu adoro. Como dono de gravadora, posso dizer honestamente que não ligo. Eu mesmo publico as músicas de meus contratados no YouTube. E você pode ganhar algum dinheiro com isso. Não é muito, mas ganha pois você tem os direitos.”
É curioso esse pensamento – combinando o tempo todo com uma prática com cara de voo cego – aparentemente contraditório (ou totalmente contraditório) que oscila entre as defesas da liberdade e da restrição com relação aos direitos. Segundo as legislações atuais de direito autoral e/ou copyright da maioria dos países do mundo, ninguém pode publicar qualquer obra de qualquer autor em qualquer lugar (não importa se é mídia “tradicional” ou não) sem a autorização, de preferência autenticada em contrato, desse autor e/ou do detentor dos direitos dessa obra (editora, herdeiros etc.). Para deixar claro: publicar uma música do Crookers no YouTube sem autorização do Crookers é ilegal. O que o Crookers disse na entrevista é que não liga para a ilegalidade. Mais: que esse tipo de ilegalidade pode ser benéfico para suas músicas e sua carreira. E ao mesmo tempo lembra: o artista pode ganhar até dinheiro com a publicação não-autorizada de suas obras.
Como eu disse na semana passada: a tecnologia está inventando – na marra – sua própria lei, que se torna prática generalizada, mesmo contra a lei oficial. Tentarei explicar como isso acontece, usando o exemplo de “Harlem shake”, que foi primeiro lugar na parada Hot 100 da Billboard na semana em que essa revista – que é a mais importante para a medição/publicidade do sucesso musical comercial oficial nos EUA – passou a contabilizar visualizações no YouTube para determinar a hierarquia dos hits. O número total de views de “Harlem shake” somava aqueles do vídeo oficial, publicado por seu autor e sua gravadora, com os milhares de outros de vídeos piratas, publicados – sem a autorização explícita do autor – por gente que se filmou fazendo a coreografia dessa música. Quando ouvimos falar que “Gangnam style” ganhou mais de 1 milhão de dólares do YouTube, temos que saber: muito desse dinheiro vem de anúncios veiculados em vídeos que para a lei oficial seriam considerados piratas.
Vivemos então uma situação ambígua, onde uma empresa determina a nova legalidade. É uma gambiarra tecnológica, feita às pressas. Que controle externo podemos ter sobre o número de visualizações? Temos que acreditar no YouTube? Eu que não tenho pressa nenhuma, voltarei novamente a este assunto semana que vem.
PS: Sobre privacidade na rede: assino (com gargalhada sombria) mais uma vez embaixo de tudo que Chris Matyszczyk escreve neste link. Outra leitura obrigatória.