texto publicado na minha coluna do Segundo Caderno do Globo em 01/03/2013
Café Tacvba tocará pela primeira vez no Rio na quinta-feira. Show obrigatório. Não vou medir as palavras: é a banda mais criativa da história do rock abaixo de El Paso e acima da Terra do Fogo. Recentemente, a revista Rolling Stone dos EUA elegeu “Re”, seu álbum de 1994, como o melhor lançamento de todos os tempos do rock latino. Concordo: o único outro disco que, em minha opinião, poderia ocupar tal posto seria o primeiro dos Mutantes. Ou “El objeto antes llamado disco” (EOALD), editado pelo Café Tacvba no final do ano passado. Todos os críticos, do New York Times ao Página 12, o declaram digno de comparação com “Re”, ou até mais conectado com o futuro.
Hora perfeita para ver a banda ao vivo. Até porque EOALD (repergunto: é o melhor título de disco também de todos os tempos?) foi gravado ao vivo. Porém, como sempre acontece com o Café Tacvba, nada é usual: não se trata de show para grande plateia. Foi ideia tão surpreendente quanto a de Caetano Veloso, que preparou “Zii e zie” em shows e no blog “Obra em progresso”. EOALD levou o público para dentro do estúdio (ou estúdios, montados em Buenos Aires, Santiago, Los Angeles e na Cidade do México), compartilhando o momento mais íntimo da gravação.
Rubén Albarrán – o cantor da banda, antes chamado Juan, Cosme ou Anônimo etc. – esclareceu na carta que acompanha EOALD (dá para ler a íntegra aqui): “Não queremos destruir a intimidade; é a intimidade ampliada para um círculo maior. […] Não somos nem seremos os mesmos na frente do outro.” Agora chegou a nossa vez, aqui no Rio, de descobrir em quem o Café Tacvba vai se transformar, diante de nossa presença “outra”, em círculo ainda mais ampliado. Também não seremos mais os mesmos.
Tomara que dançando possamos copiar a “negrita” do sambinha de “Re”, a que volta para vender peixe frito com limão na “sua costa amada”. Ela saiu pelo mundo acreditando que “tinha que viajar para triunfar, que aqui não há oportunidade, que em outro canto haverá”. Mas nunca esqueceu que “sua cadeira ao caminhar, leva o ritmo do mar.”
O requebrado do mar reaparece em EOALD, justamente na canção que há três semanas é também clipe no Vimeo. Tudo na letra de “Olita de altamar” é diminutivo (ondinha, areinha, caminhinho) em contraste com as imagens: Rubén vestido de pássaro pré-colombiano, cantando diretamente para o oceano, à beira de enorme falésia. Mandei o link para Ernesto Neto, que estava em Berlim. Meu email era um PS para nossa conversa pós-carnavalesca (pós-abundância) sobre o Eldorado. Ele me respondeu entendendo tudo, com observação (“o Eldorado se esconde no mutualismo, na simbiose, no excesso de vida, aprendi isso vendo as esculturas olmecas, astecas, maias”) e poesia: “ondinha de alto mar / ondinha para lá e para cá / quase bossa na onda / Dorival no balançar / ondinha, ondinha / que gostoso te encontrar / ondinha, ondinha / volta logo, macia e devagar”.
Círculo. Volta. Temas impressos na capa cartolina da edição especial de “Re” que meu irmão Herbert deve ter comprado no México. Está escrito, para não deixar dúvida: “repetição / reiteração / reciclagem / resistência”. Há ainda citação do antropólogo G. Bonfil Batalla: “A noção cíclica do tempo está presente na consciência da história: O passado de liberdade, da idade do ouro antes da dominação colonial, não é um passado morto, perdido para sempre, mas sim fundamento da esperança, porque no ciclo do tempo essa idade haverá de voltar.” Eldorado? Carnaval? Futuro? Que o Café Tacvba volte muitas vezes a esta nossa costa amada.
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Falando em México: depois de Café Tacvba minha música mexicana preferida hoje é feita pelo grupo eletrônico 3 Ball MTY. Seu gênero é chamado de tribal e é dançado por gente vestida de cowboy com botas bicudas. O bico é tão grande que dá voltas. Não sei como o baile tribal não vira luta livre de bicos-chicotes. O som é frenético. Para comprovar: tente não requebrar ao som do set do DJ Erick Rincón no Diplo & Friends, o melhor programa de rádio/internet da atualidade, transmitido pela 1Xtra londrina.
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Falando em Diplo: sua gravadora Mad Decent lançou “Harlem shake” em maio de 2012. Na semana passada essa música estreou em primeiro lugar na parada Hot 100 da Billboard americana, que agora contabiliza views do YouTube. Mais interessante: vale a soma das visualizações do clipe oficial e dos outros vídeos antes chamados piratas (pois não tinham, e continuam a não ter, autorização de uso da música como trilha sonora). Assim, a revista principal do business musical legaliza – antes de qualquer legislação – o que se faz fora da lei. E ainda transforma a “ilegalidade” em métrica do sucesso gerador de grana. Quanto mais pirateada mais a música subirá na parada oficial.