texto publicado na minha coluna do Segundo Caderno do Globo em 29-04-2011
Meu amigo André Stangl, que conheci nos tempos pioneiros dos estudos ciberculturais baianos e hoje vive em São Paulo, manda avisar: Marshall McLuhan está de volta aos meios universitários paulistanos, depois de anos numa certa berlinda. Mais precisamente: segunda e terça-feira será realizado “O século McLuhan”, evento realizado pelo Atopos, centro de pesquisa “fora-de-lugar”, mas de certa forma baseado na ECA da USP (inscrições em www.atopos.usp.br/mcluhan). O leitor pode se perguntar: qual século, o XX ou o XXI? Qualquer um. Tom Wolfe, na introdução para o livro “Understand me” (cujo título é uma brincadeira com seu clássico “Understand media” e que foi publicado no Brasil, pela Ediouro, como “McLuhan por McLuhan”), afirma: “Não consigo pensar em outra figura que tenha assim dominado um campo de estudo inteiro na segunda metade do século XX. Na virada do século XIX e nas primeiras décadas do XX, havia Darwin na biologia, Marx na ciência política, Einstein na física, e Freud na psicologia. Desde então houve apenas McLuhan nos estudos da comunicação”. Outras pessoas dizem que as profecias de McLuhan só se tornarão realidade, ou dominarão nossa realidade, agora depois do ano 2000. Mesmo assim, o evento se refere a um outro século, bem mais preciso: em 2011 comemoramos os 100 anos de nascimento do cara que, entre outras coisas, nos disse que o mundo se transformou numa aldeia global e que o meio sempre foi a mensagem.
Fiquei surpreso ao ser lembrado que McLuhan nasceu em 1911. Isso significa que quando publicou suas obras mais inovadoras e de maior impacto já tinha mais de 50 anos e cerca de três décadas dando aulas. De certa forma, livros como “A galáxia Gutenberg” ou o “Understanding media” parecem ser trabalhos de uma mente mais jovem, capaz de comprar qualquer briga sem temer perder respeitabilidade conquistada em já longa carreira acadêmica. McLuhan permaneceu jovem audacioso até o final de sua vida, em 1980. Foi um desses muleks eternos como John Cage, Miles Davis, Mário Pedrosa, para quem a idade transmite não peso intelectual, mas leveza para encarar o mundo ainda com mais audácia e liberdade. É possível comprovar isso assistindo os vários vídeos com aparições de McLuhan na TV dos anos 60 e 70 que estão disponíveis na internet. Uma alma bondosa, talvez anônima para evitar problemas relativos a direito autoral, nos fez o favor de compilar todos essas imagens num único site para a comemoração do centenário. Procure por “Marshall McLuhan Speaks” em qualquer ferramenta de busca. Além da introdução de Tom Wolfe, que começa com a aparição de McLuhan no filme “Noivo neurótico, noiva nervosa” de Woody Allen, podemos ver clipes de suas respostas, divididas por assunto, que revelam como sua maior diversão era causar polêmicas, ou falar aquilo que fundia a cuca de seus interlocutores, que mesmo com vontade de não levá-lo à sério acabavam se deixando encantar pela convicção maluca, e inteligência impressionante, do mestre pop.
Quem ainda estiver desconfiado, talvez por causa dos ternos de McLuhan (afinal o meio, nesse caso corpo e roupa, passa muita mensagem), deve visitar o UbuWeb (viva Kenneth Goldsmith! Todo mundo leu sua entrevista no Prosa & Verso? Aula obrigatória…), fechar os olhos e escutar os arquivos com a gravação do LP “The medium is the massage”, lançado por McLuhan pela Columbia Records no final dos anos 60, portanto quando ele tinha quase 60 anos. O que está ali registrado é uma das experiências de colagem sonora mais radicais e psicodélicas da história da indústria fonográfica. A Wikipedia diz que a produção foi de John Simon, que já assinara a beleza minimalista de “Songs of Leonard Cohen”. Com a “massagem midiática” o espírito era de total maximalismo, imagino que uma tentativa de registrar para a posteridade como podemos aproveitar melhor aquilo que McLuhan chamava de “espaço acústico”, onde tudo convive ao mesmo tempo agora, sem centro e periferia, sem a linearidade da escrita e do campo visual.
Se possível, e os neurônios deixarem, esculache a audição lendo ao mesmo tempo a entrevista que McLuhan deu para a Playboy em 1969. Kevin Kelly (tenho que escrever uma coluna sobre este outro cara urgentemente), no blog que era apenas para preparar seu maravilhoso e já-lançado livro “The technium” mas onde há novos posts e tomara que nunca tenha fim, disse que McLuhan não escrevia: deitava no sofá e começava a falar seus deliciosos absurdos, que eram transcritos por alunos. Era um feiticeiro da oralidade, uma máquina de produzir slogans, uma campanha permanente de marketing para seu próprio pensamento. Por isso se dava tão bem em entrevistas. Na da Playboy, bem longa, estava especialmente inspirado. A primeira resposta, eu gostaria de dar hoje, para explicar o que tento produzir aqui nesta coluna: “Estou fazendo explorações. Não sei onde elas vão me levar. Meu trabalho é desenhado para o objetivo pragmático de entender nosso ambiente tecnológico e suas consequências psíquicas e sociais. Mas meus textos constituem o processo mais que o produto completo da descoberta; meu propósito é empregar os fatos como sondas investigativas, como meios de insights, de reconhecimento de padrões, mais que usá-los no sentido tradicional e estéril de classificação, categorias, contêineres. Eu quero mapear novos terrenos e não cartografar velhas fronteiras.”