Archive for novembro \24\-03:00 2012

organizadora de sons

24/11/2012

texto publicado na minha coluna do Segundo Caderno do Globo em 23/11/2012

Missy Elliot, que se apresenta amanhã no festival Back2Black, é o nome feminino mais importante na história do hip hop. Temo estar cometendo alguma injustiça com essa afirmação, mas penso que mesmo as injustiçadas partilham minha admiração por tudo que Missy fez e faz para a evolução da música negra contemporânea. Sim, pois sua influência não se restringe ao rap. Pense em qualquer das cantoras megapopulares do momento (Beyoncé, Rihanna etc.). Em todos seus sucessos escutamos a tentativa de dominar um território vocal (pós-eletrônico) desbravado ou criado por Missy.

Não espere ver no palco uma periguete gostosona, de shortinho rasgado e barriga de fora, símbolo sexual em tempos de predomínio de estética pop-vigarista que ajuda a levar o mundo para o beleléu. Missy não cultiva visual ideal para o YouTube. Mas isso nunca foi problema comercial: ela já vendeu milhões de discos como artista solo e, mesmo quando esteve “fora das medidas”, lançou linha de roupas para a Adidas.

Gosto de seus discos (que contêm algumas das melhores canções de todos os tempos para pistas de dança), mas tenho até mais interesse em seu trabalho original de composição/arranjo/produção e também sua filosofia de construção/desconstrução sonora. Sua profissão é exemplo radical daquilo que John Cage denominava “compositor (organizador de sons)” . Não é porque trabalha no mundo da canção popular, para tocar no rádio e para fazer multidões dançarem, que não pode ser considerada vanguarda, mais até do que aquilo que é obviamente classificado como vanguarda.

Missy é produto de uma cena musical desenvolvida nas high-schools de Virginia Beach, balneário sem muita importância na cultura artística norte-americana (tudo bem, Ella Fitzgerald é uma exceção). Sua turma adolescente incluía outros geniais organizadores de sons como Timbaland, o pessoal do Neptunes e do Clipse. Lembro ainda do choque que foi ter contato pela primeira vez com as criações pós-hip hop de Virgina Beach, mais especificamente uma produção/composição de Timbaland/Missy, parceria que lançou sucessos poderosos em série. Eu estava em Moçambique, nas filmagens da série televisiva Além-Mar. O motorista local colocava vários CDs para tocar dentro da van. Nada tinha me chamado muita atenção, ele gostava de um soul competente mas genérico. Até que começou uma canção de amor, com uma batida esquisitíssima. Meu pensamento entortou. Não conseguia identificar o que era aquilo, parecia cruzamento soul/drum’n’bass, mas tinha uma bossa bem nova. E a voz continuava cantando com melodia angelical, como se a revolução rítmica que a acompanhava fosse uma banalidade. O contraste era mais que perfeito. Pedi a capa do disco: “One in a million”, da Aaliyah. Composição de Timbaland e Missy. Anotei os nomes e passei a acompanhar todos os movimentos de suas carreiras.

Marca registrada do pensamento sonoro de Missy é o uso da polifonia vocal picotada abusadamente pelos recursos de ponta do registro sonoro digital, que permite estratégias de “cut and paste” cada vez mais barrocas. Há uma simbiose entre esses métodos de gravação e a cabeça de Missy, que parece já compor em colagem dadaísta. E o milagre é que isso resulta em grude e não em estranhamento (nada contra o estranhamento – como todo leitor desta coluna deve estar careca de saber: não sei o que seria do melhor de nossas vidas sem hits grudentos). Missy: nossa mestre em lição fundamental para tempos cada vez mais modernos: como ser radical/difícil sem perder a ternura/facilidade pop jamais? Contradição insolúvel? Escute “One in a million” – é radicalidade terna sublime.

A programação do Black2Black deste ano está especialmente estimulante no campo feminino: temos Gal Costa (há certamente Missy em Recanto), Santigold, Ms. Laureen Hill, Fatoumata Diawara (preciso escrever coluna sobre o Mali), Nneka, Daúde, Dona Onete. Mas há também Martinho da Vila, Siba, Emicida, Naná Vasconcelos (vamos nos preparar para comemorar os 40 anos do disco “Amazonas”? Aliás 1973 foi incrível: “Phono 73”, “Amazonas”, o disco da mosca de Walter Franco, “Araça Azul” – que troço deu no Brasil naquele tempo?). Fico especialmente curioso com relação à apresentação de Sany Pitbull com Gerson King Combo e o AfroReggae.

Se o fim do mundo for assim, queremos mais fim: este final de 2012 está generoso em matéria de festivais de música. Depois do Back2Black e do Multiplicidade ainda teremos o Novas Frequências. Que beleza poder escutar outras garotas ternamente barulhentas como Maria Minerva, Prince Rama, Julianna Barwick em Ipanema (olha que barulho mais lindo, cheio de graça). Há garotos também. Mas hoje, por aqui, é mais o dia delas.

silêncio preparado

17/11/2012

texto publicado na minha coluna do Segundo Caderno do Globo em 16/11/2012

John Cage teria feito 100 anos no dia 5 de setembro passado. Morreu há uma década. O mundo ficou bem mais previsível sem os desafios radicais que ele nos lançava. Vivienne Westwood (da camiseta do Assange) certa vez declarou: “Um mundo sem Malcolm McLaren seria como um mundo sem Brasil”. Acrescento: um mundo sem o Brasil (que eu quero) seria como um mundo sem John Cage. Então (eu quero) John Cage está vivo. Sério: muita coisa que ele profetizou há quase um século, e parecia loucura, já é nosso cotidiano. Ou quase.

Em 1927 [ou 1928?], aos 15 anos, Cage ganhou prêmio em concurso de oratória. Seu discurso no Hollywood Bowl, representando a Los Angeles High School, se intitulava “Outros povos pensam” e continha profecia bombástica (pré-Zweig): “A América Latina é a terra do futuro.” Termina usando o termo “americanos” para se referir a latinos e anglo-saxões juntos, uma união que ensinará ao mundo “a ciência de apreciar, respeitar e simpatizar com os Outros.”

Não era totalmente ingênuo. Atacava a ocupação da Nicarágua e os empréstimos dos bancos americanos para a Bolívia. Por outro lado, aprovava o uso do poder militar do Tio Sam para defender a Venezuela da Alemanha ou Cuba da Espanha. O Norte poderia ensinar autogoverno, soberania para o Sul. Lembro: era texto de adolescente. Mesmo assim continha toques geniais. Surpreende especialmente o parágrafo que pede para os Estados Unidos calarem a boca, deixarem de produzir qualquer som: “nós deveríamos ficar quietos e silenciosos, e teríamos a oportunidade de aprender que outros povos pensam.”

Talvez tenha sido a primeira vez que Cage anunciou a importância do silêncio. Como vai nos ensinar depois, em inúmeras obras (incluindo o livro “Silêncio”), silêncio não é ausência de sons. Em entrevista de 1966, para o jornal Village Voice, tudo fica claro: “Silêncio é todo som produzido sem nossa intenção. Não há algo como silêncio absoluto. Portanto o silêncio pode muito bem incluir barulhos e o volume aumentará no decorrer do século XX. O som dos jatos, das sirenes etc. Por exemplo, agora, se ouvíssemos os sons vindos da casa ao lado, e não estivéssemos falando nada, diríamos que isso seria parte do silêncio, não diríamos?”

Ficar em silêncio nos faz ouvir o barulho do mundo como música. Com Cage, nossos ouvidos mudaram definitivamente. E o campo musical se ampliou ao infinito, ao acaso.

O texto mais influente de Cage foi escrito dez anos depois do discurso do Hollywood Bowl. Chama-se “O futuro da música: credo”. Começa com a seguinte profissão de fé, hoje realidade banal: “Acredito que o uso do barulho para fazer música vai continuar e aumentar até que cheguemos à música produzida com a ajuda de instrumentos elétricos”. Repare bem: era 1937, as guitarras elétricas eram invenções nerds, não havia ainda sintetizadores. Cage estava fascinado pelo “som de um caminhão a 50 milhas por hora” ou pela “estática entre estações”. Não queria usar esses sons como efeitos, e sim como instrumentos musicais. Conseguiu. Fez “mix” sonoro em 1952 ou obra com agulhas de discos em 1962, algo que no “futuro” virou rotina dos DJs de hip hop, techno, house até “gangnam style”.

Como perguntou o crítico Peter Yates: Cage “é uma inteligências mais decisivas de nosso século criativo, uma mente tão não convencional que logo sua própria não convenção deverá ser a convenção?” A resposta é sim, há bastante tempo. Exemplo dado pela historiadora da arte Barbara Rose: “Para traçar a genealogia da arte pop, é preciso conhecer a atmosfera na qual ela nasceu. Essa atmosfera foi gerada principalmente pelo compositor John Cage, cujos ensaios e palestras têm sido instrumentais para formar a sensibilidade de alguns dos mais importantes compositores, coreógrafos, pintores e escultores jovens trabalhando hoje.”

Cage não desperdiçou seu tempo no mundo. Ele não trabalhava com a negatividade, com a reclamação. [Mesmo pensadores interessantes – como Nicolas Bourriaud – que tentam se distanciar dos clichês do discurso da “dimensão crítica”, acabam elogiando os artistas que “resistem” ou “confrontam”.] Seguindo Charles Ives, Cage diz  que arte “útil” é aquela que fortalece (inclusive fisicamente) as pessoas, tornando-as capazes de perceber mais do que perceberam até agora.

Minha coluna também tem missão positiva, de fortalecer gente que abre as portas da nossa percepção, principalmente quem tem pouco espaço nos jornais. Mesmo falar de Cage é desvio de rota. Com causa nobre: todo este texto é para fazer propaganda do Festival Multiplicidade que na próxima quinta-feira apresentará sonatas de Cage tocadas pelos pianos preparados da PianOrquestra, do Rio, em parceria com Pedro Rebelo e Justin Yang, do Centro de Pesquisa em Artes Sonoras, de Belfast.

barulho diferenciado

10/11/2012

texto publicado na minha coluna do Segundo Caderno do Globo em 09/11/2012

João Cabral de Melo Neto revela, em poema publicado na seção “Linguagens alheias” do livro “Agrestes”, entre “Debruçado sobre os cadernos de Paul Valéry” e “O último poema” (há versos mais punks?), algo que “contam de Clarice Lispector”. Conto novamente: uma conversa entre amigos, com “dez mil anedotas de morte”, é interrompida pela chegada de outros amigos “vindos do último futebol”, com comentários que refaziam o jogo “gol a gol”. Clarice espera educadamente (educação pela pedra) a animação futebolística esmorecer e faz seu pedido: “Vamos voltar a falar na morte?” Parece, por linhas bem tortas, o que aconteceu nesta coluna: interrompi a conversa sobre nosso país (segundo Brian Eno) para falar na morte de Luis Alberto Spinetta. Agora retomo: vamos voltar a falar no Brasil?

Percebo que o Brasil, também com milhares de anedotas, é meu assunto preferido, ao qual sempre volto. Mesmo quando meu tema era rock argentino, na verdade eu estava falando no nosso país, “fechado demais”. Ou grande demais, um vasto mundo, cercado – lá bem longe – por um deserto dos bárbaros (entre eles, os que nos vendem iPads). Nosso problema não seria complexo de vira-latas, e sim excesso de autoestima (inventamos até o orgulho de ser mestiço – rótulo para aqueles que não têm raça pura, isto é, os vira-latas). Meu defeito também: acredito piamente (mesmo rindo dessa crença) que podemos dar jogo de cintura para o resto do mundo, fazendo chover havaianas coloridas nas areias escaldantes para além de nossas fronteiras nacionais.

Por isso, minha fixação com as roupas de penas que Brian Eno usava na época do Roxy Music. O fato de aquele estilo espalhafatoso (os ingleses dizem “flamboyant”) ser visto com embaraço, ou como piração juvenil, me entristece, ou que torna o mundo mais triste. Passamos a viver sob uma ditadura de um bom gosto minimalista de chatice avassaladora. Tudo é contido, clean, “sofisticado”. Mesmo a contestação política tem bom design, e as passeatas parecem desfiles de Ricardo Tisci. O Brasil não pode entrar nessa onda para ter assento no conselho de segurança artística mundial. Como disse Oswald de Andrade: “Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval.” Logo agora que somos “potência”: parar (o Carnaval) por quê?

Arto Lindsay, nosso melhor embaixador (ainda vou escrever texto só sobre sua obra aqui nesta coluna), já enfrentou sérios problemas buscando traduzir o Brasil moderno para o mundo, sem cortar nossos excessos para tornar nossa imagem mais aceitável para padrões elegantes dominantes. Colaborei com a montagem de seu espetáculo sobre Carmen Miranda para o festival Next Wave da Brooklyn Academy of Music, quartel general do bom gosto “radical”. Acabou que minha principal função foi acompanhar Aurora Miranda na coxia, para passar o texto (“Eu beijei o Mickey Mouse.”) antes de sua entrada no palco. Foi assim que escutei umas diretoras do festival furiosas com a atuação de Regina Casé (pareciam as gralhas que adoram atacar Regina nas “redes sociais” com os mesmos argumentos caretas) ao lado de Laurie Anderson. Elas acusavam: over the top! Respondi, vermelho, com raiva, como se tivesse baixado em mim um Caetano “é proibido proibir”: “ela nasceu over the top e vai ser sempre over the top. O Brasil é over the top, Carmen Miranda era over the top! Vocês querem mergulhar Carmen em gel antisséptico para transformá-la em símbolo cool?”

Ainda não vi o documentário sobre Hélio Oiticica. Regina viu e me contou a reação de nossos amigos mais jovens que a acompanharam ao cinema. Ficaram chocados, assustados. Eles não conheceram Hélio ao vivo. Eu tive a sorte de encontrá-lo pessoalmente algumas vezes, incluindo a abertura daquela exposição no Hotel Meridien (acho que Lygia Clark também estava presente) e em algumas atuações explosivas em debates. Hoje, sinto no ar dos tempos minimalistas (nada contra Robert Morris) uma perigosa tendência: dar um banho de loja da Prada (e de Fundação Prada) em Hélio, tornando sua obra apenas chique, uma espuminha de culinária pós-molecular a ser servida em vernissages com a presença de François Pinault ou Bernard Arnault (feio o pedido de cidadania belga para fugir de impostos franceses – mas o mundo das artes “radicais” adora gente rica, agora também gente rica brasileira, e não liga para esses tipos de deslizes). Há colecionadores que prefeririam que Hélio tivesse parado nos metaesquemas, tão mais vendáveis, não é mesmo?

O mundo não é perfeito, limpinho: Hélio preferiu ocupar o MAM com a escola de samba da Mangueira. Um barulho louco. Talvez a missão do Brasil agora seja fazer o mundo não dormir com um barulho diferenciado do nosso tamanho.

rezo por ele

03/11/2012

texto publicado na minha coluna do Segundo Caderno do Globo em 02/11/2012

Luis Alberto Spinetta morreu no dia 8 de fevereiro. Peço desculpas pela notícia atrasada. Só soube dela recentemente. Os jornais brasileiros ignoraram o que aconteceu. Perdemos um dos principais artistas surgidos aqui neste canto do planeta, a América do Sul. Um anjo, de carne e osso. Por isso, neste Dia de Finados, interrompo a reflexão sobre o Brasil a partir do meu encontro com Brian Eno, e rezo por Spinetta. Também em retribuição a todas as vezes que ele rezou por nós. Spinetta, com Charly García, compôs “Rezo por vos”, uma das canções mais tristes e duras que já ouvi. “Rezo, rezo, rezo, rezo / Morí sin morir / Y me abracé al dolor / Y lo dejé todo por esta soledad.”

Impressionante o tempo que fiquei sem saber que ele partiu nos deixando sozinhos por aqui. Durantes anos li os suplementos No, do jornal Página 12, e Si, do Clarín, buscando novidades da cultura jovem argentina e latino-americana, tentando loucamente estabelecer pontes entre lá e cá. Desisti? Preciso reconhecer que minhas forças não são as mesmas. Unir o continente é missão quixotesca. Pouca gente no Brasil parece interessada nisso. Somos país fechado demais.

Lembro os dias de 1997 que passei em Porto Alegre como curador do festival MTV Tordesilhas. Andei pelas ruas da cidade com o pessoal das bandas Café Tacuba (México – que acaba de lançar “O objeto antes chamado disco” – o melhor título de todos os tempos?), Aterciopelados (Colômbia), Los Tres (Chile) e Illya Kuriaki and The Valderamas (Argentina – que tem Dante Spinetta, filho de Luis Alberto, como componente), todos juntos e misturados, em momento de pico criativo. Não havia música mais potente sendo produzida no mundo. Mas aquilo parecia segredo nosso, bem particular. Os gaúchos, que imaginávamos ser o público mais receptivo no Brasil para esse tipo de experiência, não apareceram no Gigantinho, o ginásio onde o festival foi realizado, mesmo com Paralamas e Skank tocando no mesmo palco (duas bandas que lotavam sozinhas outros shows na cidade).

Lembro também do tempo em que Charly Garcia morou em Copacabana, tentando encontrar algum canal de comunicação com o público brasileiro. Nossos encontros pelas ruas do Rio não eram interrompidos por ninguém. Era como se eu estivesse acompanhado por um anônimo, um total desconhecido. Pouco tempo depois, quando encontrei Charly numa esquina de Buenos Aires, tivemos logo que nos esconder no primeiro bar, pois na calçada era impossível dar dois passos sem autógrafos ou declarações de amor de fãs enlouquecidos (mesmo um motorista de caminhão que passava do outro lado daquelas largas avenidas), uma devoção que nunca vi igual diante de músicos brasileiros. Era como se o voo Galeão-Ezeiza me transportasse para Alma Ata no Cazaquistão, ou lugar semelhante com o qual temos quase nenhum intercâmbio artístico.

Mesmo Fito Páez, quando chega por aqui, ainda precisa ser apresentado com o autor daquela música cantada pelos Paralamas ou por Caetano. Será que um dia vai poder ser apenas Fito? Utopia? Não sei mais o que fazer para que isso aconteça.

Foi Fito quem me apresentou à obra de Spinetta. Os dois gravaram juntos o disco “La la la”, que tem versões fulminantemente belas para “Parte del aire” e “Gricel”. Fiquei fascinado com a outra voz, com maneirismos semelhantes aos que já tinha ouvido no disco “Giros”, de Fito, a obra que abriu meus ouvidos para a música contemporânea argentina. Não sabia quem tinha influenciado quem. Só depois descobri que Spinetta, considerado pai do rock argentino, era grande ídolo de Fito. Fui atrás de seus discos, uma coleção imensa deles, e até hoje ainda tenho alguns de seus álbuns para escutar pela primeira vez (não escuto todos de propósito, para ter sempre algo “inédito” no futuro).

Spinetta se tornou conhecido como integrante da banda Almendra, no final dos anos 1960. Seu primeiro LP sempre aparece na lista dos melhores do rock argentino. Ali já está anunciada toda sua carreira, mesmo o flerte sério com o jazz e a música eletrônica, na qual vira e revira a tradição da canção, como se fora um Chico Buarque (em fase Guinga) que ama Beatles, Rolling Stones e Beach Boys. Escute “Laura va”, desse LP “Almendra” (1969), ou “Lago de forma mia”, do CD “Pelusion of milk” (1991). Tudo é frágil, parece que vai se desmanchar no ar, parece que aquela sofisticação melódica vai dar em beco sem saída, mas milagrosamente tudo se salva com um simples “oh”.

Sensação muito estranha: para o Brasil, é como se Spinetta não tivesse vivido. Agora, depois de sua morte, rezo para possa um dia nascer em nosso imaginário com – assim termina “Rezo por vos” – “amor sagrado”.

Ordem unida: “Ya no pienses mas que tu angel partió”.