texto publicado na minha coluna do Segundo Caderno do Globo em 18/02/2011
Fui pela primeira vez a um evento produzido pelo Pedro em 2006. No dia seguinte, publiquei no Overmundo texto ainda espantado com o que encontrei por lá. Não tinha a menor ideia de que havia tantos fãs de pop nipônico no Rio e que seus encontros eram tão empolgantes. Escrevi que aquilo parecia uma “micareta de ETs” (para mim, isso é grande elogio) e até inventei uma teoria pop-antropológia sobre a pagação de mico com necessidade básica do ser humano. Virei frequentador assíduo dos eventos do Anime Center, que logo depois passaram a acontecer nas dependências do Clube Hebraica, Laranjeiras (pena que acabou o buffet de comida judaica que havia por lá: era um contraste fascinante e bem brasileiro…) Estranhava não haver nenhum patrocinador, e de tudo aquilo ser produzido na marra, quase sem nenhuma divulgação na mídia, pois eram sempre milhares de adolescentes – de todas as classes sociais, cores de pele (é íncrivel a quantidade de garotos negros vestidos de personagens japoneses) e zonas da cidade. Já fiz curadoria de vários eventos com grana, assessoria de imprensa e páginas e páginas de anúncios nos jornais: sei como é difícil reunir aquela quantidade de gente mesmo com shows de bandas bombadas nas rádios. Os eventos do Pedro, onde o público é a maior atração, aconteciam quase na “invisibilidade”, mas nos davam lições de como, quando algo é vital, o sucesso é inevitável. Ainda bem que agora o Cosplay in Rio tem patrocinador e lei de incentivo. Foi enorme batalha para chegar até aqui.
E que batalha divertida. O pop japonês desembarca ao Brasil e sofre mutações antropofágicas. Vide as apresentações do Anime Daiko, grupos de tocadores de taikos (tambores japoneses) de Londrina, que se apresentará na UERJ novamente este domingo. Os dançarinos – muitos fantasiados – fazem rodas em torno dos taikos, cantando letras das trilhas sonoras dos animes (em japonês, é claro), desenvolvendo coreografias estilo macarena ou rebolation, num ritual pós-moderno (se isso não for pós-modernidade, o que mais será?) que não existe em nenhum outro canto do mundo. Esses eventos – outros produtores culturais como Pedro realizam encontros similares em quase todas as grandes cidades brasileiras, com destaque especial para Fortaleza – também desenvolveram uma forma peculiar de comunicação interna, que só existe (até onde eu consegui descobrir) no Brasil: plaquinhas onde são escritas mensagens que funcionam como pop-ups, ou balões de fala de quadrinhos, em 3D, numa conversa descentralizada muitas vezes hilária.
Num Anime Center de 2008, tive oportunidade de ouvir a palestra e depois conversar com Keisuke Iwata, diretor da TV Tokyo que produziu, entre muitos outros sucessos, nada menos que Pokemon, Yu-Gih-Oh e Naruto. Qualquer pessoa que tenha tido contato com crianças dos anos 90 para cá pode comprovar a influência que esse cara exerce, não só no Brasil. Pena que não havia nenhum executivo da indústria cultural carioca na palestra, pois Iwata explicou com detalhes como funciona o modelo de negócios do novo pop japonês, com sua estratégia globalizada. Perguntei para ele sobre direitos autorais, se não o incomodava ver tantos garotos vestidos com suas personagens, sem autorização. Iwata me respondeu que a TV Tokyo tratava aquele tipo de evento, mesmo com ingressos pagos, como “festas de colégio”. Em outras palavras: no lugar de processar adolescentes, aceitava e incentivava a divulgação gratuita.
Os produtores de mangás-animes-games sabem que hoje os fãs não querem mais ser apenas espectadores passivos. Precisam interagir com aquilo que consomem, mergulhando nos universos ficcionais, dos quais passam também a ser produtores. Produzem o teatro do cosplay. Remixam cenas de seus desenhos preferidos em anime music videos. Muitos grandes estudios de mangá surgiram com garotos que apenas criavam novas histórias, sem autorização, misturando personagens de autores diferentes. É o império do cortar-e-colar. No Cosplay in Rio você poderá ver isso acontecendo ao vivo. Vá fantasiado, afinal já é quase carnaval.
Outra dica para o fim de semana: o festival Não-Onda, “uma pequena mostra do que há de improvável, impróprio e irredutível no underground de BH”. Também recomendo enfaticamente.