Archive for the ‘história’ Category

literatura e história

22/06/2020

Ouvi falar pela primeira vez no podcast Literature and History ouvindo outro podcast, o Arts and ideas da BBC, que embala muitas de minhas atividades há muito tempo. Era um episódio em que Philip Dodd entrevista até Larry Summers, ex-presidente de Harvard e secretário do Tesouro americano na presidência de Clinton etc., sobre o futuro das universidades, com atenção especial para o “declínio catastrófico” das Humanidades, cada vez com menos alunos e fundos. Dodd citou o exemplo contrastante do sucesso de Literature and History, com mais de 1 milhão de downloads, como elemento para apimentar o debate. Se um podcast que dedica quatro episódios, cada um com mais de 1 hora de duração, para a Eneida de Virgílio consegue atrair tantos ouvintes, por que os cursos universitários sobre os mesmo assuntos estão cada vez mais à míngua?

Não quero aqui entrar nesse debate muito complicado. Nem conheço bem esses números “catastróficos”. Quero apenas aumentar um pouquinho o número de downloads dos episódios de Literature and History. Doug Metzger, seu apresentador, certamente fala pelos cotovelos (mais de 2 horas sem parar sobre O Asno de Ouro!), mas é um contador de histórias literárias encantador. Como aprendo coisas novas (e a coisa que mais gosto na vida é aprender coisas novas) ouvindo sua voz nos fones. Foi assim, que descobri, por exemplo, que faço aniversário no dia em que a Oréstia foi encenada pela primeira vez. Isso deve explicar algumas de minhas maluquices cognitivas. Mas de qualquer forma: é sempre reconfortante ser lembrado, em tempos de pandemia, que a humanidade já enfrentou eras nas quais a barra pesou tanto quanto agora. O episódio mais recente é sobre a Judeia sob Herodes…

E no podcast descubro outros podcasts, ao infinito. Doug Metzger já recomendou, por exemplo, The Mirror of Antiquity ou Trojan War. Muita gente bacana compartilhando conhecimentos preciosos.

1995 novamente

18/04/2015

texto publicado na minha coluna do Segundo Caderno do Globo em 17/04/2015

Há sete dias, escrevi por aqui: “precisamos de uma boa história das cibercomunicações nacionais”. Naquela manhã de sexta-feira, a psicóloga Daniela Romão gentilmente me enviou mensagem avisando que temos a dissertação de mestrado “A trajetória da internet no Brasil”, defendida em 2006 por Marcelo Sávio de Carvalho na Engenharia da UFRJ. Eu conhecia a tese de doutorado da própria Daniela Romão, sobre cibersubjetividades contemporâneas, intitulada “Brincando de ser na realidade virtual”. (Em campo de estudo dominado pela negatividade, é admirável sua “visão positiva”, demonstrando que os “múltiplos eus” de nossa experiência online podem não ser encarados como patologia.) Por isso logo segui sua dica e baixei a dissertação do Marcelo Sávio de Carvalho, disponível em vários recantos da rede. Este meu texto de hoje tomou novo rumo a partir do muito que aprendi com sua leitura.

Claro, outros autores podem produzir histórias da internet no Brasil com mais detalhes. Porém, o básico, com seus momentos mais significativos, já está narrado por Marcelo Sávio de Carvalho. Começando pela origem mais remota das políticas públicas para telecomunicação no país, desde o Conselho Nacional de Telecomunicações de Jânio Quadros ou o Código Brasileiro de Telecomunicações de João Goulart. Mesmo antes de 1964, os militares, através de recomendações de estudos do Estado Maior das Forças Armadas, já inspiravam essas iniciativas, mostrando o embrião do perigoso link entre informática e segurança nacional que vai se fortalecer nas décadas seguintes. A Embratel foi criada em 1965, desprivatizando o setor, com foco em integração territorial. No início dos anos 1970, no auge da ditadura, surgiu a Coordenação de Assessoria ao Processamento Eletrônico (CAPRE), ligada à Presidência da República. Em 1978, a CAPRE foi substituída pela Secretaria Especial de Informática, tudo com vínculos tanto com o SNI quanto com o Conselho de Segurança Nacional, criando espaço inclusive para a reserva de mercado de informática e defendendo “controle governamental sobre os sistemas de informação de cada país” (alguma semelhança com a posição chinesa atual?).

A década de 1980 viu aparecer redes de dados como o Cirandão da Embratel, ou o projeto paulista de videotexto (a Telesp chegou a propor o “olhão”, terminal público que iria substituir o “orelhão”), e o avanço acadêmico para conectar as universidades, construindo os caminhos que formariam a espinha dorsal da rede que utilizamos até agora. Marcelo Sávio de Carvalho também dedica várias páginas para revelar o papel que o IBASE, pioneira ONG com sede carioca, teve na abertura do uso da internet para toda a população brasileira.

1995 foi realmente ano crucial nesta história. A Norma 004/1995 do Ministério das Comunicações comandado por Sérgio Motta, no início da onda de privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso, serviu de anúncio claro para a mudança, definindo a internet como “um serviço de valor adicionado, sobre o qual não haveria nenhum monopólio”. Logo depois, Sérgio Motta determinou que a Embratel “teria que encerrar suas atividades como provedora de acesso a pessoas físicas.” Em 1996, o ministro sentiu necessidade de reafirmar nos jornais: “O que o governo tem que fazer com os usuários da internet é deixá-los em paz.”

Gostaria de ter mais notícias sobre os bastidores dessa queda de braço entre o Ministério das Comunicações e a Embratel. Marcelo Sávio de Carvalho cita depoimentos de funcionários da estatal tentando se defender de acusações de voracidade monopolista. Outros futuros estudos também podem nos revelar melhor o pensamento sobre informática produzido por órgãos de “informação” na ditadura (talvez situando-o no panorama internacional da Guerra Fria, e pós-Guerra Fria, já que a palavra informação continua a ter poderosas relações com serviços “secretos” e tentativas de controle, como as denúncias de Snowden confirmam).

Ainda outros pesquisadores precisam se debruçar sobre a história da internet no Brasil depois de 2006, quando Marcelo Sávio de Carvalho defendeu sua dissertação. Ali foi ano de outra virada, aquela da viralização das redes sociais, quando a população brasileira toma gosto pelo Orkut, já tendo sido campeã ou vice-campeã (um pouco antes ou um pouco depois de 2006) de uso mundial em ferramentas/sites/comunidades como ICQ, YouTube, MSN e, recentemente, Facebook, Instagram, Twitter, Whatsapp. A afinidade do Brasil com a comunicação eletrônica está mais que comprovada. Precisamos de política para incentivar a conversão dessa apropriação frenética em invenção de nossas próprias ferramentas para o resto do mundo usar. A Estônia criou o Skype. Qual invenção brasileira vai ter impacto no ciberespaço?

1995

11/04/2015

texto publicado na minha coluna do Segundo Caderno do Globo em 10/04/2014

A internet comercial brasileira está completando duas décadas. Até 1995, nossa conexão com a rede mundial de computadores só era possível a partir de universidade, de órgãos governamentais e do Ibase, com seu pioneiro Alternex. No início daquele ano, ninguém ainda conseguiria prever qual o modelo de acesso que seria adotado no Brasil. A Embratel chegou a pretender ser provedor único. Seus planos monopolistas não deram certo, numa virada surpreendente, que ainda não foi bem investigada. Aliás, precisamos de uma boa história das cibercomunicações nacionais. Anoto aqui informações pitorescas para ajudar quem se dispor a realizar essa tarefa.

Em novembro de 1994, o caderno de informática do Jornal do Brasil publicou a lista de “todos os WWWs brasileiros”. Eram apenas 28 endereços, 26 de universidades mais o do Ibase e o da Caixa Econômica Federal. A matéria era didática, mas incompreensível para o leitor comum: “Com os WWWs, o usuário pode ‘visitar’ museus, instituições de pesquisa, a Casa Branca ou até assistir ao show dos Rolling Stones. A forma de apresentação do Web são as páginas.” Já em outubro de 1995, uma matéria d’O Globo tinha como manchete “Garanta seu espaço na Net” e trazia a lista dos 14 provedores de acesso cariocas e paulistas, quase todos BBSs que passaram a permitir conexões com a internet. Meses antes, Tadao Takahashi – então coordenador da Rede Nacional de Pesquisas (RNP), órgão que construiu a espinha dorsal da rede brasileira – anunciava que em 1997 esses provedores teriam 150 mil usuários.

Eram cálculos modestos. Computadores não eram itens de consumo exatamente populares. Modems faziam menos sucesso ainda. Conheci Tadao nessa época, quando a RNP tinha escritório no IMPA. Ele me procurou para organizar um estudo sobre os usos sociais que a internet poderia ter no Brasil, tentando planejar que tipo de acesso seria mais relevante. Eu, Jayme Aranha Filho e Eduardo Viveiros de Castro organizamos, a pedido da RNP, um evento com nome pomposo, mas bem precavido: Seminário Preparatório sobre Aspectos Socioculturais da Internet no Brasil, realizado nos dias 28 e 29 de agosto de 1995 no auditório do LNCC (Laboratório Nacional de Computação Científica), na Praia Vermelha. O objetivo era apenas elaborar recomendações para um macroprojeto de pesquisa que nortearia a abertura comercial da internet em território nacional. A RNP ainda pensava que isso seria feito com calma. Claro que a realidade atropelou a tentativa de planejamento. Quando a ciberporteira abriu, os brasileiros demonstraram que se sentem tão em casa na internet quanto em bloco de carnaval de rua.

Eu já tinha acesso Altenex desde o tempo em que para mandar um email era necessário decorar vários comandos Unix. Lembro minha emoção ao descobrir, quase secretamente, que durante a Rio 92, nosso acesso ao novíssimo WWW foi liberado. Por isso ficava sempre procurando maneiras mais estáveis e velozes de conexão. Recebi uma daquelas cartas, em maio de 1995, anunciando: “A EMBRATEL tem a satisfação de disponibilizar para V. Sa. o acesso à Internet na modalidade IP discado.” Deixava claro que era um “projeto piloto” e apresentava dois números de telefone, um para velocidades de acesso até 14.4 Kbps e o outro para 28.8 Kbps (facilitando a comparação: 1 mega de banda larga é quase 35 vezes mais veloz que 28.8 Kbps, e temos que incluir aí os perrengues com ruídos nas linhas telefônicas de 20 anos atrás). No “piloto” a vantagem seria conexão de dados gratuita; o usuário só pagaria pela ligação telefônica. Era mesmo uma tentativa de se tornar a única porta de entrada para a internet no Brasil. Acho que não durou nem até o final de 1996. Quando outros provedores foram autorizados a comercializar acesso, a Embratel dançou.

Guardei um encarte da revista “Internet Brasil” de setembro de 1996. É um “guia de home-pages e provedores de acesso do Brasil”. Não dá mais para contar. São cerca de 4 mil URLs, quase 150 vezes mais do que o número de menos de dois anos antes. São algo em torno de 300 provedores.

Que ninguém pense que o Brasil estava atrasado. A explosão popular da internet nos EUA aconteceu também em 1995. Em julho de 1994 a revista Time publicou capa sobre “o estranho mundo novo da internet”. Em novembro de 1994 a Business Week explicava “como a internet vai mudar a maneira como você faz negócios”. Em janeiro de 1995 a PC World – publicação mais especializada em nerds impossível – trazia na capa a seguinte manchete: “como se conectar à internet”. Nós brasileiros mergulhamos fundo e convictos na novidade estranha. Pena que até hoje mais como usuários do que como criadores de serviços. Assunto para a coluna da semana que vem.

Kim Stanley Robinson

10/01/2015

texto publicado na minha coluna do Segundo Caderno do Globo em 09/01/2015

Ainda estou em clima de Ano Novo. Ou estou ainda me preparando para o ano do clima. Não me refiro ao calor estonteante do Rio neste início de janeiro, quando a “sensação térmica” chegou para ficar em previsões e imaginários. Penso já na conferência do clima daqui a onze meses em Paris, e na longa preparação até lá, para que não termine em novo impasse diplomático-científico-cultural-natural. E penso também em microgênero narrativo que tem tudo para se tornar onipresente nas próximas listas de final de ano: vivemos tempos de “cli-fi”, ou “climate-fiction” (ficção climática).

O termo “cli-fi” surgiu em 2008, mas só foi realmente popularizado no final de 2014, com o lançamento do filme “Interestelar”. A inspiração do batismo vem obviamente de “sci-fi”, ficção científica. Mas não trata apenas do futuro. “Cli-fi” pode ser qualquer obra ficional que aborde questões ecológicas ou mais especificamente o aquecimento global, por isso tem gente que prefere o rótulo “eco-fiction”. Gosto do som kraftwerkiano de “cli-fi”. E da sua concisão visual, apesar de significado vago e contestado por muitos artistas celebrados como expoentes da micro-já-quase-macro-nova-tendência.

Tomara que o hype “cli-fi” chame a atenção – foi o caso comigo – para obras inclassificáveis e geniais como a do escritor Kim Stanley Robinson (KSR). Estranho ter passado tantos anos sem ler seus livros ou mesmo sem ouvir falar do seu nome. Não sei nem se há algo lançado no Brasil. Tive primeiro contato com seu pensamento através da coluna “Top ten” da “Art Forum”, que convida sempre uma pessoa interessante para listar dez coisas que lhe interessa. O “dez mais” de KSR, inseridos na edição do verão 2014 da revista, logo me chamou a atenção por fugir totalmente do mundinho da arte contemporânea circundante (mesmo quando a capa era sobre quadrinhos). Em primeiro lugar aparecia uma mochila ultraleve usada em caminhadas na Sierra Nevada. Em seguida havia a pintura dos leões na caverna Chauvet, flores, fotos de Marte, um disco da banda We Are Scientists e poemas de Emily Dickinson. Resultado: comprei seus dois livros mais recentes, “2312” e “Shaman”, imediatamente.

Fiz as duas leituras simultaneamente. Quando me cansava de um livro partia para o outro, alimentado pela vertigem da viagem radical no tempo: “2312”, é claro, se passa daqui a quase três séculos, pertinho se comparado aos aproximadamente 30 milênios para o passado que nos separam da Era Glacial de “Shaman”. Mesmo com toda essa distância temporal há links entre as narrativas, até alcateias de lobos caçando renas.

“2312” é assustador, mas deslumbrante, um dos melhores livros de minha vida. Acredito que Marina Abramovic tenha opinião semelhante, pois fez questão de entrar em contato com KSR depois da leitura, revelando sua identificação com “Swan”, a protagonista nascida no planeta Mercúrio, que realiza “land art” e performances (respectivamente chamadas pelos substantivos “goldsworthy” e “abramovic”) em todo o sistema solar. Tudo se passa depois que o aquecimento global já produziu o pior, e o nível dos oceanos subiu dez metros e Nova York virou uma nova Veneza com portarias para barcos no quarto andar dos edifícios.

Dá para perceber: KSR se considera um escritor utópico, não distópico, como é mais comum na ficção científica. Enfrentando o pior, a humanidade deu um jeito de sobreviver, agora em diáspora pelo sistema solar. Em 2312 visitamos cidades sobre trilhos (escapando dos raios solares) em Mercúrio, viajamos de carona em asteróides ocos (com biomas diferentes no seu interior), acompanhamos a briga entre duas facções chinesas com propostas diferentes para a terraformação (tornando o planeta habitável para espécies terrestres) de Vênus, presenciamos a chuva de animais em extinção de volta para Terra (o único reduto capitalista, o resto funciona em algo como economia da dádiva pós-anarquista), surfamos nos anéis de Saturno. Sim, tem hora que lembra “Viagem ao céu”, da turma do Picapau Amarelo. Mas juro: tudo parece possível, cientificamente provável. Os conhecimentos de KSR sobre biologia, astronomia, filosofia politica etc. são enciclopédicos. Quem duvidar pode procurar na internet por vídeo de palestra no Smithsonian, onde ele fala em menos de 15 minutos sobre todos os nossos planetas vizinhos.

Não vou ter espaço para falar de “Shaman”, com as aventuras da tribo que pintou a caverna Chauvet (aquela do filme do Herzog). Recomendo outro vídeo com Ursula K. Le Guin e sua bela leitura de trecho de capítulo final desse livro de seu discípulo. E no ano do clima fico esperando também o lançamento, previsto para maio, do próximo livro de KSR: “Aurora”.

ciberdesbunde

06/12/2014

texto publicado na minha coluna do Segundo Caderno do Globo em 05/12/2014

O livro “Os inovadores” – escrito por Walter Isaacson, lançado recentemente no Brasil e já nas primeiras listas de melhores do ano mundo afora – conta a história das pessoas, começando por Ada Lovelace, que inventaram o mundo digital, no qual estamos cada vez mais submersos. Nossa situação atual parece vingança póstuma de manifesto surrealista: os chips se libertaram dos computadores e se multiplicam desarvoradamente juntos e misturados a qualquer coisa. O analógico não tem alternativa: ou se converte em bits ou desaparece. As coisas se comunicam entre si, como no país das maravilhas que, segundo relato de Alice, pode ser também aterrorizante.

Boa leitura para complementar “Os inovadores” é “What the dormouse said”, de John Markoff, salvo engano nunca lançado em português. O subtítulo explica a maluquice do título: “como a contracultura dos anos 60 moldou a indústria do computador pessoal”. Explicando melhor ainda, para quem não tem coleção de vinis hippies: “what the dormouse said” é citação de verso de “White rabbit”, hino psicodélico lançado pela banda Jefferson Airplane no álbum “Surrealistic pillow” (repare bem no surrealismo aqui outra vez). Obviamente John Markoff fez metacitação de Lewis Carroll, que – nada por acaso – era também matemático. Resumindo o que vem a seguir: escrevo esta coluna para provar, matematicamente (para isso não preciso consultar a biblioteca do Impa), que Alice está bem viva (ou deveria estar) no fundamento digital de nossa vida pós-PC, com a consciência plugada na internet de todas as coisas.

Na análise desse desbunde do real (vivemos era em que o real mesmo, no seu núcleo mais duro, se desbunda, constatação que não insinua juízo de valor) talvez falte um terceiro livro, ainda não escrito. Seria uma história de várias revistas que, com graus bem variados de sucesso comercial, difundiram para o público leigo reflexões sobre o impacto das transformações tecnológicas na cultura, na política, na sociedade e em todo o resto. O mais interessante: seu efeito não foi só formar a mente dos consumidores dos novos produtos, mas também direcionar as ideias dos inovadores, e mesmo de seus CEOs, para seguir Alice em suas aventuras.

É possível identificar momentos marcantes dessa história paralela lendo as introduções de cada capítulo de “Borg like me”, livro de Gareth Branwyn, que tem outro subtítulo que tenta explicar (ou não) seu conteúdo: “& outros contos de arte, eros e sistemas embedados” (procurei no Aurélio agora e não encontrei o verbo “embedar”, mas acho que já se tornou atitude/termo corriqueiro por aqui). Você pode não ter ouvido o nome do autor, mas certamente usa ou é influenciado por algumas das ideias divulgadas por seu trabalho na edição de revistas como “Mondo 2000”, “Wired”, “Make” ou no site/blog “bOING bOING”, ainda um dos mais influentes no circuito tecnocultural.

O livro, como coisa ou produto, já é a concretização de vários princípios centrais na ideologia desse circuito, que tem hoje sua vanguarda no movimento maker (no Brasil há a tentativa, que aprovo, de batizá-lo de movimento fazedor – tenho carinho especial pela conjugação do verbo fazer). Seu financiamento foi colaborativo (vale conferir a documentação do processo de “crowdfunding”, muito bem feito, mas muito trabalhoso, cheio de lições para quem pensar em se aventurar por opção de produção semelhante). Uma nova editora independente, a Sparks of Fire, foi criada para o lançamento, mostrando como já vivemos em outra realidade (desbundada?) editorial.

Estou insistindo no repetição do uso da palavra desbunde, contra todos os sinais – espionagem e ódio pesados, por exemplo – que indicam o predomínio do lado negro da força em nossa vida cibernética contemporânea. Em entrevista para o podcast “Expanding mind”, Gareth Branwyn usou expressão que me deu calafrios por fazer tanto sentido: “matrix faça-você-mesmo”. É uma provocação: usamos a estratégia punk, ou cyberpunk, do “do-it-yourself” para construir – coletivamente, descentralizadamente – nossa própria prisão-rede-social? Tantas oportunidades tecnolibertárias (muitas delas visíveis pela primeira vez nas publicações editadas por Gareth Branwyn) perdidas? Em que momento perdemos Alice de vista?

Por isso a importância de reler os artigos “de época” reunidos em “Borg like me”, não para cultivar a nostalgia por aquela zona autônoma temporária criada por Gareth Branwyn e seus mentores/parceiros malucos-beleza em algum momento mágico da virada das décadas 1980/1990. A leitura apenas recarrega nossas baterias para enfrentar os problemas de hoje. Na próxima coluna vou tentar escrever um guia para essas fontes de energia ciberdesbundadas.